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    1585 Jornal A Bigorna 23/06/2024 11:40:00

    Poesia

    No caminho

    havia um rio.

     

    E o rio

    tinha da navalha

    o apurado fio.

     

    E cortou em dois o mundo.

    Chamei o peixe.

    E o peixe bebeu o rio.

     

    No céu

    havia nuvens.

    Eram nuvens velhas, cansadas.

     

    Chamei o pássaro.

    E o pássaro comeu o céu.

    Sobejou,

    sob os pés, a terra

    e a sua imensidão.

     

    Chamei o tempo.

    E o tempo comeu o chão.

     

    Sem terra, sem rio, sem céu,

    não me restou

    senão o vislumbrar

    de um sonho.

     

    E o sonho

    foi ave e peixe,

    foi tempo e foi céu.

     

    Depois, aos poucos,

    o sonho me devorou a vida.

     

    E, assim,

    em mim,

    nasceram todas as vidas.

    Mia Couto, Vagas e lumes

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