O que é democracia? Pergunta chata e constante. Toda hora alguém grita que a democracia está a acabar. Reclama-se, mas, o fato é que não conhecemos outro regime melhor.
Fala-se de fake news, de polarização. Outro traço da democracia é que nela a verdade morre rápido, assim como na guerra. Com as redes sociais, então, a democracia digitalizada tem uma vocação maior ainda para a mentira. Não vai melhorar.
O cientista político americano Samuel Huntington (1927-2008) gostava de usar uma definição procedimental de democracia —e não de princípio.
Inspirado no economista Joseph Schumpeter (1883-1950), Huntington achava que em vez de dizer coisas como "a democracia visa o bem público" (seu propósito) ou "a democracia é o regime em que o povo é o dono da soberania" (seu princípio político), a melhor forma de entender o que é em si esse modelo seria vê-lo no seu procedimento de atribuir poder —daí a ideia de definição procedimental. Mas o que é isso?
A política é o território da violência. Qual o procedimento que a democracia propõe para determinar quem tem o monopólio legítimo da violência política, ou seja, quem tem o direito de mandar? Como se decide quem manda? Identificar como ocorre essa decisão é identificar o procedimento.
Vamos lá. A democracia é um regime segundo o qual a sociedade cria instituições que organizam uma certa competição por votos, que é entendida como legítima. Quem vence essa corrida manda.
É claro que o regime é fruto de muitos processos não intencionais ao longo da história. Hoje olhamos e avaliamos que o que os atenienses fizeram no século 5 a.C. é o berço da democracia, que a Revolução Gloriosa inglesa de 1688 é o berço da democracia ou que a Revolução Americana de 1776 é o berço da democracia.
Mas, a verdade é que aqueles caras estavam muito longe de serem democráticos no que hoje entendemos por democracia liberal. Foi quase sem querer.
A vantagem da definição procedimental é que ela introduz o caráter de competição por votos de forma evidente no debate —fator que muita gente, às vezes, esquece nos seus delírios virtuosos. Mas é claro que os políticos e os partidos nunca deixam isso de lado.
Quem ganha a competição, denominada de eleição, leva. Você não pode matar o concorrente, é óbvio, mas se alguém fizer isso, o acontecimento pode impactar o resultado —seja a seu favor, seja contra você. Mas continuo com o princípio procedimental: quem ganha a competição por votos leva.
Ora, vale mentir numa eleição? Vale inventar coisas dúbias sobre o concorrente? É claro que vale. Vale fazer promessas que você nunca realizará? É óbvio que sim. Se isso fizer você ganhar, está valendo.
As pessoas, na sua imensa maioria, são pouco inteligentes, não têm muita memória e estão afogadas num dia a dia horroroso. Vale se aproveitar disso para convencê-las de que você vai fazer a rotina medíocre delas um pouco ou muito melhor? É claro que sim. Lembre-se: o importante aqui é vencer a competição por votos.
Está "autorizado" mentir numa eleição? Não apenas está, mas isso quase sempre funciona a favor de quem inventa as melhores mentiras.
E, lembrando que a profissão de político é uma carreira, o que vemos atualmente é que essa corrida por votos, uma vez vencida, entra em hibernação. Só que ela está diante de todo nós o tempo inteiro, porque o que ocorrer nesse período pode sempre impactar quem vencerá o próximo round, a próxima corrida por votos.
É óbvio que, como eu não estou preocupado em prestar um serviço a ninguém nem contra ninguém, posso afirmar o que estou dizendo aqui. Na verdade, não estou afirmando nada, estou apenas descrevendo um fato. Você pode mentir, enganar os outros, faltar com a palavra, contanto que ganhe a competição por votos.
Um político, um militante ou alguém que trabalha na administração de um governo jamais poderia dizer isso, porque eles estão conectados à vitória de um certo candidato.
E com as redes sociais? Como fica toda essa história? Um circo total. Se, como foi dito até aqui, o poder na democracia é legitimado pela competição pelos votos, é inevitável que, com as redes sociais, o vale tudo seja absolutamente total.
E aí surge aquela questão típica de iniciantes: como fica a ética? Em lugar nenhum. Ela fica presa dentro do celular do marqueteiro digital.
Por Luiz Felipe Pondé