Quatro testemunhas afirmam que policiais à paisana que faziam a segurança do candidato ao governo de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas, do Republicanos, mataram a tiros um homem desarmado em Paraisópolis, zona oeste de São Paulo, na semana passada. Elas estavam na rua em que o caso aconteceu, no último dia 17. Os relatos colhidos hoje pelo Intercept na comunidade desmentem a versão apresentada pelos policiais no boletim de ocorrência registrado na 89ª DP, no bairro vizinho do Campo Limpo. Os agentes afirmam que avistaram criminosos portando armas longas em motos logo após ouvirem uma rajada de tiros de metralhadora.
Tarcísio de Freitas chegou a afirmar que sua equipe e ele foram vítimas de um atentado. Depois negou o que disse, mas reiterou que a situação ocorrida era “um recado do crime”.
Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o corpo de Felipe da Silva Lima, de 28 anos, caído no chão, com uma perfuração no peito e cercado por policiais militares fardados. Não há sinal de qualquer arma perto dele. O boletim de ocorrência informa ainda que os agentes não entregaram nenhuma arma que estivesse em posse dele à Polícia Civil de São Paulo. Por outro lado, duas armas de policiais militares que trabalham à paisana e estão entre os suspeitos de atirarem – um fuzil Imbel 5.56, e uma pistola .40 – foram apreendidas.
A reconstituição dos fatos abaixo é baseada no relato de quatro testemunhas que terão suas identidades preservadas por questões de segurança. Seus relatos, colhidos durante momentos diferentes do dia de hoje, não apresentam contradições flagrantes.
No último dia 17, uma segunda-feira, Tarcísio esteve na sede de um projeto social que inaugurava um polo universitário em Paraisópolis. Os coordenadores do projeto divulgaram um convite aberto nas redes sociais, mas ficaram surpresos quando souberam, na noite anterior, que Tarcísio estaria presente.
Ainda no domingo à noite, um membro da equipe de campanha recebeu a informação de que a presença do candidato não era bem-vinda. Ex-oficial do Exército que abandonou a carreira militar para se tornar servidor público civil, Tarcísio é ex-ministro do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro, conhecido por defender grupos de extermínio – e que, durante esta campanha, afirmou que uma comunidade no Rio de Janeiro em que o ex-presidente Lula fazia uma passeata “só tinha marginal”.
Os primeiros membros da equipe de Tarcísio chegaram à sede do projeto social no começo da manhã de segunda para inspecionar o local. Logo depois, policiais militares fardados, com armas de grosso calibre, começaram a vistoriar os carros estacionados na rua Antonio Manoel Pinto. A atitude hostil dos PMs gerou constrangimento nos convidados do evento, e um coordenador do projeto pediu que um membro da equipe de Tarcísio intercedesse. Depois de uma discussão ríspida entre o membro da equipe de Tarcísio e o comandante da guarnição militar, os PMs fardados foram embora e se posicionaram a quilômetros de distância, na entrada da comunidade.
No fim da manhã, Tarcísio chegou ao local sob uma forte escolta de seguranças e assessores. A previsão era de que ele permanecesse no local por 10 minutos.
Meia hora tinha se passado desde a chegada do candidato quando Felipe Silva de Lima e um outro homem, identificado como Rafael, chegaram de moto a um segurança (que era policial à paisana) postado a 100 metros do prédio e disseram: “A comunidade não quer vocês aqui, vão embora”. Após isso, os dois homens, ligados ao tráfico de drogas local, foram para a esquina da rua. Ouviu-se então uma rajada de tiros distante do evento. As testemunhas afirmam que nenhum disparo foi feito na direção da equipe de Tarcísio.
Foi então que Felipe e Rafael retornaram na moto para falar com a equipe de segurança e foram recebidos a tiros. Um deles atingiu Felipe no peito. Rafael conseguiu correr e fugiu. Seguranças da equipe de Tarcísio continuaram a atirar. A reportagem encontrou marcas de balas em carros e trailers na direção do local onde Felipe foi atingido, a cerca de 100 metros da sede do projeto social.
Criminosos locais que estavam na esquina voltaram armados para tentar resgatar o corpo de Felipe. O tiroteio cessou minutos depois, com a chegada de policiais militares fardados.
Ainda de acordo com relatos das testemunhas, o corpo de Felipe foi colocado numa viatura e levado para um posto de gasolina. O carro ficou estacionado no posto por minutos antes de levar Felipe, já morto, ao hospital. O boletim de ocorrência só começou a ser escrito às 17h daquele dia, algo incomum para um caso acontecido antes do meio-dia. O habitual, segundo um advogado criminalista ouvido pela reportagem, é um intervalo de duas horas entre a ocorrência e o registro.
Os policiais militares disseram na delegacia que Felipe e Rafael atiraram neles, e que logo vieram outros suspeitos que também dispararam. Antes, ainda na versão dos policiais, os dois suspeitos haviam filmado os seguranças de Tarcísio, postados em frente ao local do evento em que o candidato estava. Com a chegada de reforços, os policiais à paisana da segurança do político passaram a perseguir Felipe e Rafael, e um deles o matou com um tiro de fuzil.
A presença de policiais militares – inclusive à paisana – na segurança de candidatos não é usual. Em sabatina na rádio CBN na segunda-feira, 24, Fernando Haddad, do PT, que disputa o segundo turno com Tarcísio, afirmou não ter segurança armada feita por policiais. “Não tenho policial militar à minha disposição como ele tem. Não me foi colocado à disposição. Sou tão candidato quanto ele”.
Felipe da Silva Lima deixou três filhos menores de idade.(Do The Intercept Brasil)