O dia fora infrutífero. Nenhum cliente, além de uma velha gagá que me contratou para localizar seu gato de estimação. Ela me deu a foto do gatinho, fechamos o contrato de serviço, mas não fui atrás do gato. Comprei um igual numa loja e entreguei. Ela nem notou a diferença.
À noite tive que ir à casa de mamãe. Uma barata indigna havia aviltado a residência e deixara mamãe com os nervos à flor da pele. Ela tem um imenso medo das sacanas baratas. Ligou-me assim que avistou a invasora. Tive que ir dormir em seu apartamento por causa disso.
Passavam das sete da noite e, com todo o esforço ainda não havia localizado aquela predadora do lar. Mamãe estava no quarto e dizia que só sairia, depois que eu apresentasse o corpo inerte da pobre barata.
Cansado, tomei uma ducha demorada. Vesti o roupão e fui para o quarto. Nem havia ligado a TV, quando ouvi uma gritaria lá embaixo. Mamãe morava no quinto andar. Olhei pela janela e vi seis homens brigando. Parecia uma briga generalizada. Cada soco era um estalo no queixo do outro.
Não pensei duas vezes. Passei a mão na “Catarina”, revólver calibre 32 e desci pelas escadas, afinal, alguém poderia morrer.
Corri, sai pela portaria que não tem porteiro, porque os moradores do prédio não pagam o condomínio, e o síndico teve que cortar o serviço.
Ao chegar próximo aos baderneiros saquei minha ‘brilhante’ e dei três tiros para o alto. Foi como se “Rambo” estivesse chegado no local e pusesse ‘ordem ao caos’. Na hora a briga cessou.
Quando me aproximei dos valentões, todos eles se entreolharam. Notei algo esquisito. De repente, os brigões vieram para cima de mim. Tentei dar mais um tiro, mas fui atingido por um soco no meio da cara, que me jogou na rua deixando-me meio desacordado.
Um dos homens se aproximou, pegou a “Catarina”, colocou atrás da calça e o grupo se dispersou. Fiquei ali por alguns minutos refletindo ao chão frio. Coloquei a mão no rosto. Parecia que ele havia afundado uns 10 centímetros, tamanho a pancada do brutamontes.
Quando tentava me levantar, notei que eles também haviam levado meu roupão.
-Merda. – Falei em voz baixa. Estava no meio da rua pelado com a mão no bolso.
No mesmo instante, passou um carro de polícia e eu acenei a eles pedindo socorro. Um dos guardas desceu, sem dizer uma palavra, me algemou e me levou à delegacia.
Fui autuado pelo crime de atendado ao pudor. Jogaram-me na cela e me deram uma calça velha e rasgada. Fiz alguns amigos na cadeia. Foi uma noite bisonha, pois havia um ‘negão’ de uns dois metros que me olhava de soslaio e, de vez em quando, soltava uns suspiros intencionais para mim.
Uma sensação horrível percorria minhas espinhas. Ser deflorado por um homem que deveria ter uma ‘bengala’ do tamanho do ‘Kid bengala’ que abalaria minha honra. Não pensei duas vezes. Assim que ele cochilou, passei a mão numa navalha que estava dando sopa do lado de um traveco e a usava para se defender, e, sorrateiramente, desferi um golpe transversal que lhe cortou a jugular. Percebi que naquele momento, todos dormiam. Voltei na ponta dos pés e olhei o meu alvo caído encharcado em seu próprio sangue.
Fiquei acordado e me senti um criminoso. Não consegui dormir.
Logo de manhã foi uma gritaria só. Um dos presos revoltados queria saber quem matara sua esposa.
Merda.
Havia erado.
O negão era viado. Bem, nem sempre acertamos tudo na vida, concordam? Em poucos minutos os carcereiros removeram o corpo e deixaram o viúvo aos prantos. Senti-me mal, afinal havia destruído um casamento.
Tentei relaxar.
Ninguém dava bola pra mim naquela hora. Os demais colegas de cela tentavam consolar o viúvo.
Fiquei na minha.
Não demorou muito, um carcereiro apareceu e me tirou. Mamãe estava no carro. Havia pagado minha fiança.
Tango, Afrânio Tango, detetive particular.