• Tango no xilindró

    11089 Jornal A Bigorna 16/02/2018 01:05:00

    Estava uma tarde quente e eu havia comido apenas um hot-dog. Quando a aurora do dia celeste começa a abandonar o dia esplendido, já sei que chegou a hora do maioral aqui, partir para outros cantos.

    Estava sem dinheiro, já que mamãe estava na praia com um bofe, e fui à pé até o Bar da Gertrudes. No caminho passei pela Rua 25 de Março e vi um ambulante com DVDs de filmes. Fazia tempo que não assistia nada de bom e resolvi ver seu material.

    De longe não o reconheci, mas depois de mais algumas passadas, para minha surpresa reconheci que era meu amigo Antônio quem estava com uma caixa cheia de DVDs. Abraçamos-nos e ele mostrava os filmes para mim, quando, de repente, surgiu um monte de policiais civis “dando mão pra cabeça de todo mundo”.

    Meu amigo ao ver aquele monte de polícia, jogou a caixa em minhas mãos e saiu correndo. Pobre seu Antônio. Já tinha tantas passagens por vender pirataria que, acredito que lhe bateu o desespero.

    Dois policiais chegaram até mim, me revistaram e olharam dentro da caixa. Olhei para trás e disse que podiam pegar qualquer filme. Era por minha conta. Sou um cara descolado, sabe?

    Os dois riram, eu ri, enfim, até o delegado que chegou depois começou a rir. Enfim, todos riram.

    Os policiais, como sempre, insensíveis, me jogaram no ‘latão da viatura’ com mais uns dez trabalhadores que dão o suor de cada dia para se sustentarem e pagarem seus impostos.

    Na delegacia descemos todos algemados uns nos outros e fomos levados até um ‘xilindró’, onde deveriam ter mais umas 20 pessoas. O governo não investe na saúde dos presos. Isso é uma vergonha.

    Depois de certo tempo em silêncio, um dos presos se levantou. Deveria ser o mais velho de cana. Olhou para todos nós e disse:

    “Aqui pra peidar tem que ter permissão e defecar, depois tem que queimar o jornal. Tão me tendendo?”

    Todos concordaram. E até achei certa finesa no homem que fez o pequeno discurso.

    Posteriormente um silêncio abrupto tomou conta do lugar. Parecia que estávamos num velório. O silêncio só foi quebrado depois que serviram as quentinhas. Daí foi só alegria. A música do Zeca Pagodinho que ouvíamos num radinho emprestado pelo carcereiro, que queria dormir e, assim, nos deixando em paz, ele teria paz. Aquela galera era do bem.

    Não demorou muito para começarmos a cantar ‘deixa a vida me levar, vida leva eu, deixa a vida me levar, vida leva eu....lá. lá, lá, lá, laiára, rarararara. E passamos a noite, todos muito felizes. Fiz muitos amigos ali. Entreguei meu cartão e eles me escreveram o telefone deles.

    Gente boa. Gente fina.

    Adoro fazer amizades, sabe?

    Sou um cara pacato.

    Mas sou destemido.

    De manhã, mamãe pagou a fiança. Dois meses depois um juiz gordo fez a audiência. Seu apelido no mundo jurídico era “Jorjão, o Fofo”. Era casado com outra juíza, que também era gorda. Afinal, o que a comida não faz de milagre, não? Une até casais que se apaixonam pelo mesmo espírito: a comida.

    Jorjão, o Fat, ops ... O gordo foi duro comigo e me condenou a passar dois meses nas casas de idosos.

    Adoro idosos. Foram dias de muita folia. A chefona do Asilo não aguentou a balada em que pus os idosos.

    Fizemos discoteca, pica-esconde, de tudo um pouco. A chefona do Asilo  depois de ver os velhinhos saltitando pra cima e pra baixo, rapidamente foi até o Fórum e suplicou ao juizão pra não me mandar mais lá. O juiz concordou e retirou-me o castigo.

    Fiquei triste.

    Adorei meus idosos. Prometi a eles que sempre voltaria para termos mais diversões. Depois peguei o número do cartão da previdência social de cada um deles, afinal eles ganhavam muito pouco. Fui até a Defensoria Pública e dei entrada nos papéis.

    Meses depois descobri que a chefona do Asilo havia sido presa por estar desviando recursos da Casa que acolhia aquelas pobres almas.

    Mulher ordinária.

    Refleti por um tempo e fiz alguns cálculos e então me veio à mente, o porquê de três homens terem ido até o bar da Gertrudes duas semanas atrás e me baterem. Levei alguns sopapos sem saber o porquê daquilo tudo. Foi uma briga feroz – resisti até o final, quando o Herculano, meu amigo deu um fim na briga. Herculano é gay, mas é meu amigo. Ele bateu nos três e quando os covardes saíam capengando, ainda bradou, “e digam que vocês apanharam de uma bicha seus fdp”. Herculano é foda. Mas eu também não deixei barato, não. Dei muitas ‘caradas’ nas mãos dos brutamontes. Sei que eles sentiram, porque suas mãos estavam sangrando quando fugiram dos golpes do Herculano.

    Paguei algumas bebidas pro meu amigo, tomei umas doses e fui pra casa um pouco machucado. Mamãe fez os curativos. Mamãe me ama. Sou um cara da paz, mas sou impávido.

    Tango, Afrânio Tango, detetive particular.

     

     

     

     

     

     

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