Em 15 de dezembro de 2015, agentes da Polícia Civil do Pará subiram o Rio Guajará Mirim, que banha Vigia de Nazaré, a 70 quilômetros de Belém, para checar uma denúncia feita por ribeirinhos: uma placa com os dizeres “Área particular, não entre sem permissão” havia sido instalada na entrada de um igarapé. Forasteiros que se diziam donos do terreno haviam proibido pescadores da região de navegar pelo riacho — por onde passaram a circular somente lanchas de alta potência. Quando a polícia chegou ao local, não havia ninguém: vários homens tinham fugido às pressas e deixado para trás, numa vala aberta no curso d’água, um recém-construído submarino artesanal de 17 metros de comprimento.
A embarcação, segundo a Polícia Federal, seria usada para transportar 10 toneladas de cocaína para a Europa pelo Oceano Atlântico. Até hoje, esse foi o único narcossubmarino apreendido no Brasil. Investigações de autoridades brasileiras e estrangeiras, no entanto, revelam que o país está na rota de quadrilhas especializadas no tráfico submerso: desde 2010, foram descobertos cinco planos para o envio de cocaína em submersíveis por organizações criminosas que atuam no Brasil, além de vestígios brasileiros em embarcações recentemente apreendidas na Espanha.
Os esquemas dos traficantes incluíam a construção de estaleiros clandestinos, a contratação de engenheiros de fora do país para projetarem as embarcações e até a navegação submersa pelo Rio Amazonas.
A PF coletou indícios que ligam o narcossubmarino apreendido no Pará a uma quadrilha de traficantes colombianos. O bando era chefiado pelo capo Willians Triana Peña, que já era procurado na Argentina por tentar enviar para a África remessas de cocaína impregnadas em sacos de arroz. Nos meses que antecederam a apreensão da embarcação no Pará, dois sócios de Triana Peña que eram monitorados por agentes federais fizeram viagens de Belo Horizonte — onde o grupo mantinha um centro de armazenagem de cocaína — a Belém. Depois que a polícia encontrou o submarino, ambos deixaram o país.
A operação para a remessa submersa envolvia uma quantia milionária: às margens do Rio Guajará Mirim, a polícia paraense encontrou um estaleiro clandestino, com máquinas de solda, instrumentos de carpintaria, equipamentos náuticos, geradores, dois freezers para armazenar alimento e um alojamento com 18 beliches.
— O terreno na beira do rio foi comprado por um brasileiro que tinha conexão com a quadrilha de colombianos. O submarino estava prestes a zarpar. O tanque, inclusive, já tinha 5 mil litros de combustível, quantidade suficiente para uma viagem de um mês, exatamente a duração do trajeto até a Europa — explica Hennison Jacob, delegado da Polícia Civil do Pará que investigou o caso.
Outros narcossubmarinos provenientes do Brasil, no entanto, conseguiram completar o trajeto. No último dia 13, outro submersível feito do mesmo material usado na fabricação daquele encontrado no Pará — fibra de vidro — foi apreendido próximo ao porto de Vilaxoán, na costa da Galícia, na Espanha. Não havia ninguém em seu interior e a droga já havia sido descarregada. As autoridades locais, no entanto, têm uma pista da origem da embarcação, batizada de “Poseidon”: em seu interior, foram encontradas latas de atum em conserva provenientes do Brasil.
Loja de Macapá
Em 2019, outro narcossubmarino de origem brasileira, o “Che”, foi encontrado no mar da Galícia. Na ocasião, um piloto e dois tripulantes foram presos, e três toneladas de cocaína — avaliadas em R$ 700 milhões — foram apreendidas. Uma sacola da loja Paradão das Confecções, de Macapá, encontrada no interior da embarcação, revelou sua origem. A partir dos relatos da tripulação, a polícia espanhola descobriu que o submersível foi fabricado na cidade colombiana de Leticia, que faz fronteira com o Norte do Brasil, cruzou o Rio Amazonas e, depois, passou 27 dias atravessando o Oceano Atlântico até a Espanha. Até hoje, no entanto, não se sabe quem são os donos da carga.
Duas quadrilhas brasileiras também já tentaram entrar no mercado do transporte subaquático de drogas. Uma delas era chefiada pelo narcopecuarista João Soares Rocha, preso em 2019 durante a Operação Flak, da PF. Sob a fachada de “empresário”, Rocha usava aviões de pequeno porte para traficar cocaína para outros países. No rastro das pistas de pouso usadas pela quadrilha, agentes federais apreenderam, em fevereiro de 2018, no Suriname, um submarino de 20 metros de comprimento que seria usado para o transporte intercontinental da droga.
Os motores da embarcação haviam sido comprados no Pará, onde Rocha tinha fazendas e um hangar. A carga que abasteceria o submersível também foi apreendida: 488 quilos de cocaína a foram encontrados dentro de um avião que pousou numa fazenda da região duas semanas depois do encontro do submarino.
Um dos maiores traficantes internacionais do Brasil, que chegou a ter faturamento semanal de US$ 5 milhões e tentáculos em 27 países, também planejou construir um submarino para levar cocaína para a Europa. Em 2012, Mário Sergio Machado Nunes, o Goiano, contratou três engenheiros colombianos para pôr o plano em prática.
Segundo a investigação da PF que culminou na prisão de Nunes em 2015, os profissionais chegaram a visitar a empresa de mineração do megatraficante em Conacri, capital da Guiné, onde a embarcação seria construída. Num diálogo interceptado pela PF, um dos sócios de Nunes afirmou que já tinha adquirido as baterias e o periscópio (acessório óptico que capta imagens acima da água) que seriam usados no “tarro”, como chamavam o submarino. Pelo plano, a droga sairia da Venezuela em pequenos barcos e seria transferida para o “tarro” em alto-mar, no Suriname. O esquema foi frustrado pela Operação Águas Profundas, da PF, que tornou, na época, réus Nunes e mais dez comparsas por tráfico internacional de drogas.(Da Folha de SP)