A saúde mental é uma das grandes fronteiras do capital neste século 21. Mas isso não quer dizer que todos os profissionais da área sejam picaretas, como pode pensar os apressados de plantão.
Isso significa que, do ponto de vista de quem faz uso de profissionais de saúde mental, você, enquanto usuário —e pode ser aqui uma pessoa física ou uma instituição—, começa a duvidar quando esse profissional diz que é preciso "investir" em saúde mental. Porque não sabe se ele está pensando cientificamente ou financeiramente, a partir do ponto de vista de um fornecedor —ele— do mercado de bens e serviços em saúde mental. Difícil?
Sim, difícil, bem mais difícil do que pensa nossa vã filosofia. Sim, hoje há um mercado de bens e serviços em saúde mental. Ele inclui profissionais como psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos e instituições e empresas organizadas por esses profissionais para oferecer tratamentos e formação de mais profissionais em escolas, clínicas —enfim, bens e serviços gerais do mercado de saúde mental.
E, é claro, quando o assunto é um mercado, falamos também em marketing disso tudo. Logo, há ainda profissionais de marketing, publicidade, mídia, redes sociais, escrita, jornalismo. Todos eles podem ser "players" nesse mercado de saúde mental.
Inclui também diagnósticos de todos os tipos que assolam as escolas e as famílias nos tempos contemporâneos. E, não esqueçamos, agrega ainda a gigantesca indústria farmacêutica e seus remédios.
Aqui vale um parêntese. Não se trata de sair xingando a indústria farmacêutica. Lembre que ela nos deu vacinas e longevidade em geral. Trata-se de entender, antes de tudo, que ciência não é um lugar cheio de monges-cientistas que trabalham porque são pessoas especialmente voltadas ao bem do mundo, mas que a ciência é a indústria farmacêutica —as universidades só decolam de fato quando têm apoio do capital desse setor, na imensa maioria dos casos.
A ilustração de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com guache em pincel com cores creme de fundo, traços pretos e aplicações de vermelho e rosa. Acabamento estilizado, traços tortuosos. A imagem, na horizontal, mostra três esteiras de produção industrial bem estilizada com rodinhas e com diversas cabeças diferentes (visão horizontal), quase parecendo máscaras, caricaturas ou personagens (estilização também simples), sendo que algumas cabeças tem o formato de comprimidos.
A ciência sempre foi vocacionada a ser uma indústria porque custa caro. Dito isso, voltemos ao tema: a saúde mental como fronteira do capital.
Cada vez mais haverá jovens medicados, alunos diagnosticados, pais desesperados —aliás, este é um dos motivos latentes para a decisão dos jovens de não terem mais filhos— e seguros de saúde cada vez mais caros. Enfim, uma enorme rede que reúne inúmeros "players" do mercado de saúde mental.
Aliás, uma das formas de você identificar quando um segmento da sociedade se transformou numa fronteira do capital é quando ele começa a gerar demandas de bens e serviços crescentes e acumulados, como é o caso em questão hoje.
As escolas, hoje imobilizadas entre alunos, professores, pais pagadores de mensalidades e a emergente judicialização das relações entre colégios e esses pais, terão que investir dinheiro na formação específica de corpos docentes, já que elas, as escolas, foram alçadas à categoria de parceiras nos cuidados com a saúde mental —que hoje só piora— dos seus alunos matriculados.
A análise desse sintoma histórico e econômico deve ser também feita num plano que diferencie os vários "players" desse mercado emergente.
Do ponto de vista dos profissionais, os psiquiatras de sucesso, saídos das marcas acadêmicas públicas em medicina, tendem a ser o elo mais poderoso da cadeia.
Não é à toa que se tornou comum psiquiatras ignorarem tratamentos psicoterapêuticos em andamento e indicarem colegas seus aos pacientes, a fim de eliminar a concorrência mais frágil da cadeia, que são os psicólogos.
Na verdade, os psicólogos, em geral, são os "varejistas" desse mercado, recebendo pagamento por hora de trabalho. A psiquiatria é um elo importante nessa ciranda da indústria farmacêutica, já que detém o poderoso discurso médico em suas mãos e canetas.
Pais e escolas, ambos em pânico, cada vez mais infantilizados diante do poder do discurso médico e científico, adoram ver filhos e alunos medicados.
É sempre mais seguro ter o aval do médico. Se der pau, ele será importante para outro elo dessa cadeia: o advogado. Não há saída no horizonte. Só vai piorar a violência do capital no mundo da saúde mental.
*Por Luiz Felipe Pondé