É um escárnio a medida do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, que suspende o pagamento de multas decorrentes de corrupção confessada pela Novonor —a empresa outrora conhecida por Odebrecht que, em dezembro de 2016, firmou acordo de leniência com o poder público para sanar os danos que causara ao erário.
A admissão de fraudes há pouco mais de sete anos dá lugar agora a um revisionismo despudorado no qual se unem envolvidos nos desmandos e autoridades. Os abusos da Operação Lava Jato não deveriam servir de pretexto para uma corrida acintosa à impunidade.
Uma avenida foi aberta por decisões de Toffoli que, embora solitárias, contam até aqui com o beneplácito por omissão da corte mais elevada do país. Foi com retórica de militante partidário que o magistrado, em setembro, declarou imprestáveis as provas obtidas a partir do acordo com a Odebrecht.
Ali se escancarava o propósito de desqualificar por inteiro as investigações de corrupção —como se não tivessem havido confissões e bilhões devolvidos aos cofres públicos. Causa estranheza, aliás, o silêncio do principal beneficiário da dinheirama, o governo federal.
À ofensiva contra os fatos se somou o descaso com o dinheiro do contribuinte quando foi suspensa a multa de R$ 10,3 bilhões aplicada ao grupo J&F, que firmou acordo de leniência em 2017.
Não foi embaraço para a benesse o fato de a mulher de Toffoli, Roberta Rangel, ser advogada da J&F em um litígio empresarial. Poucos meses antes, afinal, o Supremo derrubara a proibição de magistrados julgarem causas de clientes de seus cônjuges.
Com a interrupção dos pagamentos restantes da ex-Odebrecht, chegam a R$ 14,1 bilhões as perdas que elevarão o déficit do Tesouro, sua dívida e os juros com os quais arcará toda a sociedade —nada que pareça impressionar um Judiciário que lidera rankings globais de custo.
A desenvoltura do revisionismo só é possível com a cumplicidade interesseira instalada em Brasília, com raras exceções. Passado o momento mais agudo de indignação da opinião pública, governo e oposição, congressistas e juízes se irmanam na preservação de privilégios e na derrubada de punições.
Renovam, assim, os incentivos à improbidade e à intromissão de interesses privados na gestão da coisa pública. Semeiam o descrédito na política e nas instituições, que tão perigoso se mostrou.
Há que estancar esse processo. O exame das canetadas de Toffoli pelo plenário do STF e a restrição a decisões monocráticas de magistrados são apenas as providências mais urgentes a tomar.(Editorial da Folha de SP)