Nos 23 anos de experiência da meteorologista e sócia diretora da empresa MetSul, Estael Sias, a enchente histórica de 1941 sempre foi a referência de pior cenário para o Rio Grande do Sul.
O Estado enfrenta em maio o 4º episódio de fortes chuvas e inundações em menos de um ano e o marco de oito décadas atrás, que ela não contava ver ultrapassado, foi desbancado por 2024, Na noite desta sexta-feira, 3, a cheia do Guaíba, em Porto Alegre, superou a marca, alagou o centro histórico e fez autoridades pedirem a evacuação de vários bairros.
“Com a velocidade de repetição dos fenômenos extremos, não duvido que aconteça de novo em menos tempo”, afirma Estael ao Estadão. O Rio Grande Sul registra 57 mortes e 67 desaparecidos desde o início da semana.
Uma parte dos temporais de maio é atribuída a características da própria região, situada no encontro entre sistemas polares e os tropicais. Com latitudes médias, que tornam o Sul um “ringue” entre o ar quente e o ar frio, a área é o nascedouro de fenômenos climáticos que depois modificam as condições meteorológicas do resto do País.
Assim, as chuvas intensas ao longo do ano fazem parte do calendário do Estado, mas se tornaram mais frequentes e intensas sobretudo na última década, afirma a meteorologista.
As particularidades da região são potencializadas por outros fatores, como o fenômeno El Niño, vigente desde meados de 2023 e que deve acabar nas próximas semanas, e as mudanças climáticas. Estudos feitos pelo MetSul confirmam a ligação de alguns dos eventos extremos recentes com o aquecimento do planeta.
E esses episódios extremos não se resumirão ao Sul do País. Lá, as tragédias recentes - em setembro do ano passado, 54 pessoas morreram após a passagem de um ciclone extratropical - funcionam como prévia do que está por vir. As tragédias de São Sebastião (SP), no ano passado, e em Petrópolis (RJ), em 2022, são outros alertas da recorrência de desastres por inundações e deslizamentos.
Em outras regiões, como Norte e Centro-Oeste, a expectativa é de clima mais seco. Pelo Brasil, o aquecimento global deve ainda alterar o regime de chuvas, com impactos econômicos, como nas safras do agronegócio e na geração de energia, além da deterioração da Floresta Amazônica, o que afeta o clima de todo o planeta.
Coordenador geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Marcelo Seluchi explica ao Estadão que as tempestades atuais se formaram em função da onda de calor que afeta a porção central do País, incluindo São Paulo, e de frentes frias sucessivas vindas da Argentina e Uruguai, que não conseguem avançar para além do Paraná devido à alta pressão.
Com isso, as massas de ar frio ficam retidas no Rio Grande do Sul, encontram canais de vento, ou “rios voadores”, que estão trazendo umidade da Amazônia, e formam a precipitação dos últimos dias.(Do Estado)