Se dependesse do católico brasileiro médio, a Igreja seria um tanto diferente da que vemos hoje. Dois dogmas importantes para o Vaticano têm pouco apelo nas bandas nacionais: o veto a métodos anticoncepcionais e a ausência de mulheres no sacerdócio.
É o que aponta uma pesquisa feita pelo americano Pew Research Center em seis países da América Latina mais os Estados Unidos.
São 63% os católicos nacionais para os quais a Igreja deveria liberar o uso de contraceptivos, que vão da camisinha à pílula. É um montante expressivo, embora coloque o Brasil na lanterna dos sete países onde o levantamento foi realizado. Na Argentina, o mais liberal deles, 86% responderam que o veto deveria cair.
Recursos para evitar a gravidez são tradicionalmente condenados pela Santa Sé. Não que a diretriz seja levada muito a sério no cotidiano dos fiéis, que na prática contam com a vista grossa de muitos líderes.
Mas documento assinado pelo papa Paulo 6º em 1968 deixa claro a posição oficial da Igreja: “Qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão da vida”. Parte-se do pressuposto, claro, que o sexo só deve rolar dentro do casamento.
Poucas exceções cabem aqui. O pontífice atual já disse que recorrer a contraceptivos seria um “mal menor” em meio à epidemia de zika, doença que provoca deformidades congênitas graves. O aborto, esse sim seria “um mal absoluto” que implica em “descartar um para salvar o outro, como faz a máfia”, afirmou Francisco em 2016.
Os católicos no Brasil são os mais entusiastas sobre a integração das mulheres ao clero, segundo a sondagem: 83% afirmam que elas deveriam ter autorização para exercer o sacerdócio. O México, segundo maior país católico do planeta, é menos amigável à ideia. Só 47% concordam com a premissa da “mulher padre”.
Há poucos dias, o Sínodo da Sinodalidade, encontro convocado pelo papa para discutir o futuro da Igreja, foi concluído com a divulgação de um texto que diz: “Não há razões que impeçam as mulheres de assumirem papéis de liderança” na estrutura católica.
Não que a batina do padre esteja em jogo. O debate é sobre o diaconato feminino, que por sinal está longe de ser um ponto pacífico no Vaticano.
O diácono pode realizar batizados, casamentos e funerais. Mas não está em pé de igualdade com padres e bispos. Não tem autoridade, por exemplo, celebrar a eucaristia ou ouvir confissões. Hoje só homens, inclusive os casados, podem ser diáconos.
Os brasileiros se dividem sobre outros tópicos polêmicos no catolicismo: a permissão para também os sacerdotes se casarem (50% acham que tudo bem), o reconhecimento de matrimônios homoafetivos (43% aprovam) e a liberação da comunhão para um casal que viva juntos sem ter subido ao altar (59% concordam).
A Argentina, terra natal do papa, é em geral o país mais disposto a flexibilizar a doutrina católica.
A pesquisa, segundo o Pew, baseou-se em 6.234 entrevistas realizadas entre janeiro a abril de 2024 em seis países -Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. Há um painel à parte com dados dos EUA.
Para a socióloga Maria José Rosado, a ex-freira Zeca, os dados trazidos pelo Pew escancaram “uma defasagem grande entre o que a instituição define como suas normas e o que é o desejo da comunidade católica, que se mostra mais aberta em relação a tudo que diz respeito ao controle sobre a capacidade reprodutiva”.
Zeca é uma das fundadoras da Católicas pelo Direito de Decidir, ONG que desde 1993 questiona leis eclesiásticas sobre a autonomia feminina em relação ao próprio corpo.
Um ponto que não lhe passou batido: a comparação entre católicos argentinos (86%) e brasileiros (63%) que dispensam a ingerência da Igreja sobre o uso do método contraceptivo. “Não por acaso”, ela diz, “o aborto na Argentina foi legalizado”.(Do Jornal de Brasília)