Era janeiro quando o promotor Lincoln Gakiya e o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, desembarcaram em Brasília. Levavam na bagagem as informações bombásticas de uma testemunha protegida localizada pelo Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco): o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), e sua mulher, a deputada federal Rosângela Moro (União Brasil-SP), e os dois filhos do casal estavam sendo seguidos pela Sintonia Restrita, o setor de operações especiais do PCC.
Havia seis meses que os bandidos comandados por Janeferson Aparecido Mariano, conhecido como Nefo ou NF, receberam a ordem para monitorar o alvo. Alugaram chácaras na região de Curitiba – em uma delas foi construída uma parede falsa em um dos cômodos para esconder armas e dinheiro. Nefo também alugou uma casa perto da residência dos Moro e uma sala comercial ao lado do escritório político do senador, em Curitiba. Os bandidos fotografaram o cotidiano do casal e de seus filhos. Escola, academia, compras e reuniões: tudo foi acompanhado pelos bandidos.
O grupo contava ainda com Reginaldo Oliveira de Sousa, o Rê, integrante da Sintonia Final dos 14, o grupo responsável pelas ordens aos faccionados em liberdade. Eles teriam providenciado carros blindados para a ação. Investigadores do caso desconfiam que toda a vigilância sobre a família Moro tinha como mais provável objetivo o sequestro do senador, da deputada e dos filhos, que seriam mantidos reféns em uma das chácaras, para obrigar o Estado a negociar a libertação de Marcola ou sua retirada do sistema penal federal.
“O resgate de Marcola é questão de honra para o PCC. Dinheiro tem de sobra”, afirmou o promotor Gakiya ao Estadão. Gakiya era outro dos alvos do plano do PCC, ao lado de agentes penitenciários e policiais de Mato Grosso do Sul e de Rondônia. O ataque às autoridades era o chamado Plano B da facção. Ele estava pronto para ser executado quando o promotor e Sarrubbo chegaram a Brasília. Além de informar a cúpula da PF sobre o caso, os dois também avisaram a Polícia Legislativa. Foi quando Moro e sua mulher souberam que eram o alvo dos bandidos e passaram a ser escoltados.
“Nós acreditamos que ele (o plano) só não foi posto em prática porque faltou a ordem do Marcola”, afirmou o promotor. Após o alerta dado pelo promotor, a PF passou a monitorar números de telefones e obteve quebras de sigilo para identificar os envolvidos na operação e localizá-los. Antes disso, há dois meses, um dos principais implicados na ação foi detido em São Paulo pelos homens das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). Era Valter Lima Nascimento, o Guinho, outra liderança da Sintonia Restrita.
É Gakiya quem explica o que é a tal sintonia: “Eles são responsáveis apenas por assassinatos e resgates. Não se envolvem em outras atividades, exceto o tráfico de drogas.” Nefo e Ré foram presos nesta quarta-feira, 22, durante a Operação Sequaz, da PF. O primeiro estava na região de Campinas, no interior, e o segundo, na Baixada Santista, uma das mais importantes rotas do Tomate, como é chamado o tráfico internacional de drogas da facção. Em nome de laranjas e familiares, Nefo teria um patrimônio que inclui lancha, carros importados e imóveis. “Coisa de milhões”, contou o promotor.
Os atentados contra autoridades como o ex-juiz Moro e o promotor era chamado de Plano B na facção porque o Plano A – o objetivo principal dos bandidos – era o resgate de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder da facção. Há mais de um ano, a inteligência do Departamento Penitenciário Federal (Depen) e a PF acompanhavam as movimentações e diálogos mantidos por Marcola e outros presos da facção na penitenciária federal de Brasília. O plano envolvia o treinamento de mercenários na Bolívia e arregimentação de integrantes do chamado Novo Cangaço para a invasão do presídio e resgate de Marcola.
Em razão da descoberta do plano, o Depen transferiu Marcola em março de 2022 para o presídio federal de Rondônia, onde a organização criminosa traçou um novo planejamento para a fuga de seu líder. Ao mesmo tempo, resolveu cobrar seus integrantes pelo fracasso da operação. Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, que tinha recebido a missão de libertar o chefe foi sequestrado na Bolívia, em maio de 2022, e levado a um tribunal do crime. Desde então, está desaparecido.
A responsabilidade para soltar Marcola passara, então, para Guinho e, depois, para Nefo. Marcola permaneceu em Rondônia até janeiro deste ano, quando foi trazido de volta à Brasília, após a conclusão da construção de uma muralha no presídio federal. Foi só então que a cúpula da facção teria começado a discutir a execução do plano B. Mas era tarde. A ideia de apanhar Moro já havia chegado aos ouvidos do Ministério Público. Os investigadores do caso calcularam que a facção gastou cerca de R$ 5 milhões nos planos de resgate de Marcola – os Plano A e B.(Do Estado)