A participação do youtuber norte-americano Gen Kimura, que filmou ações da Polícia Militar (PM) em favelas da Zona Norte de São Paulo, foi autorizada em abril pela própria corporação. O g1 apurou que o influenciador fez o pedido por e-mail no começo daquele mês. As gravações ocorreram no dia 21, um domingo.
Nesta terça-feira (25), a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota divulgada à imprensa, que irá apurar a conduta dos policiais militares envolvidos no caso. Apesar de a Polícia Militar ter autorizado o youtuber a gravar uma operação do 18º Batalhão da Polícia Militar (BPM), o Comando da PM diz que não foi informado sobre isso.
Por esse motivo, a pasta da Segurança considerou que a gravação da operação da PM feita por Gen e sua equipe foi "irregular". A filmagem só poderia acontecer se o Comando da corporação fosse comunicado, o que não ocorreu, segundo a SSP.
Um dos policiais militares envolvidos na autorização para Kimura gravar foi afastado preventivamente pela PM das funções que exercia antes. Ele irá cumprir serviços administrativos enquanto durar a sindicância interna para apurar o que ocorreu. Outros agentes que aparecem nas filmagens feitas pelo youtuber foram identificados e também serão investigados.
A Polícia Militar não proíbe equipes de reportagem de filmarem operações, mas exige que uma série de recomendações sejam cumpridas. Entre elas, estão definir com detalhes como as gravações serão feitas, quais veículos serão utilizados e onde elas ocorrerão.
As imagens divulgadas nas páginas de Gen nas redes sociais mostram o influenciador acompanhando uma operação da PM dentro de uma viatura, usando colete da corporação, e fazendo incursões com os agentes em comunidades da periferia de São Paulo. O americano chega a manusear uma arma da Polícia Militar. São cerca de 40 minutos de filmagem.
Alguns dos agentes conversam em inglês com o influenciador sobre o trabalho policial. Em uma das conversas, um PM comenta que as mortes de criminosos são comemoradas "com charutos e cerveja".
"Quando matamos um bandido, nós celebramos com charutos e cerveja. [Com o batalhão?] Não, só o pelotão. Como dissemos antes, o pelotão é como uma família", fala o sargento De Oliveira na filmagem.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, por meio de nota, que a frase "não condiz com as práticas adotadas pelas forças de segurança do Estado".
Gen produziu uma espécie de documentário nas suas redes sociais. O caso sobre as gravações das operações da PM pelo influencer foi revelado nesta terça pela Folha de S.Paulo.
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que "toda a dinâmica mostrada nas imagens, envolvendo um civil em práticas exclusivamente militares, não é permitida e fará parte das investigações".
A SSP reforçou que solicitou esclarecimentos à Polícia Militar logo após ter acesso aos vídeos e que foi instaurada uma "sindicância para apurar todas as circunstâncias e adotar as providências necessárias."
"As polícias paulistas são instruídas e continuamente capacitadas para agirem dentro da lei. Excessos e desvios não são tolerados e todos os casos são punidos com rigor. Além disso, a dinâmica do vídeo não é permitida de acordo com as regras internas da Corporação", continua o comunicado da pasta da Segurança.
Após a repercussão do caso, as imagens foram reeditadas no canal do influenciador, que afirmou ter gravado também com a Polícia Civil e a Polícia Técnico-Científica.
No vídeo, ele também descreve a forma como os policiais atuam nas periferias da cidade:
“Nós não achamos nada suspeito nas casas em que reviramos, mas isso não os parou [os policiais] de revistar as pessoas. Acho que muitas pessoas nos EUA chamariam isso de ‘profiling’ [busca por pessoas com suposto histórico criminal - metodologia apontada por especialistas como racista e discriminatória], mas nesse caso parece um recurso que eles precisam utilizar, especialmente em um ambiente tão imprevisível, não apenas pela segurança deles, mas para achar mais pistas sobre membros do tráfico. Como veremos adiante, eles foram certeiros no ‘profiling’ deles."
Procurado para comentar o assunto, o ouvidor da Polícia, Claudio Silva, afirmou ao g1 que irá pedir também que a Corregedoria da Polícia Civil apure se ocorreram irregularidades nas gravações feitas com a Polícia Civil e com a Polícia Técnico-Científica.
"Estamos acionando também o Ministério Público [MP] para ver se não é o caso de ação judicial de improbidade administrativa. A Ouvidoria da Polícia está acompanhando, pois, as irregularidades são absurdas", falou Claudio à reportagem. "Comemorar a morte de alguém não é correto."
Ariadne Natal, especialista em Letalidade policial, pesquisadora associada do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt, na Alemanha, aponta que a abordagem é sensacionalista e preconceituosa.
"As comunidades patrulhadas são apresentadas como locais onde “as piores atrocidades acontecem” e onde todos são potenciais criminosos. Moradores são mostrados sem autorização, sendo até ridicularizados em um momento. Diversas ações inadequadas da polícia são capturadas, como abrir portas, entrar em barracos sem autorização e apontar armas para pessoas, inclusive crianças, que são mostradas em vídeo, contrariando o Estatuto da Criança e do Adolescente", disse em entrevista à GloboNews.(Da GloboNews)