• Palanque do Zé #214 – O ladrão que se achava invisível e a estupidez humana

    465 Jornal A Bigorna 18/09/2022 09:00:00

    Palanque do Zé

    No dia 6 de janeiro de 1996, o ladrão McArthur Wheeler roubou dois bancos na cidade americana de Pittsburgh, e entrou para a história. Não pelo crime em si, mas sim por sua burrice! É que ele não usou nenhum disfarce ou tentou se esconder das câmeras, por acreditar que estava invisível. Isso mesmo.

    Como seu rosto apareceu de maneira nítida no circuito interno de câmeras de ambas as instituições bancárias, pouco depois dos roubos seu rosto estava na TV e McArthur foi preso em menos de uma hora.

    Quando foi levado para a delegacia, a única coisa que dizia, incrédulo, era: “Mas eu usei o suco de limão!”.

    É que seus amigos haviam dito a ele que, se esfregasse suco de limão no rosto, ele se tornaria invisível para as câmeras de segurança, assim como é possível escrever mensagens secretas numa folha de papel usando o líquido, que só se revela após ser exposto ao calor.

    Mas McArthur, que acreditava não ser burro, não acreditou muito na “dica” e decidiu testar: Esfregou suco de limão no rosto e, com a pele e os olhos ardendo, tirou uma selfie com uma câmera Polaroid.

    Para sua surpresa, o seu rosto realmente não apareceu na foto... porque ele errou o enquadramento da mesma. Lembre-se de que no longínquo 1996, as máquinas fotográficas ainda funcionavam com filmes que precisavam ser revelados numa ótica. E as máquinas não contavam com telas de cristal líquido para nos dar uma prévia da fotografia tirada. Sem contar que o ato de fazer uma selfie ainda não era difundido e, consequentemente, pouco praticado.

    Tendo testado o truque na prática para garantir, McArthur foi confiante roubar os bancos, certo de que não poderia ser identificado.

    Essa bizarra história poderia acabar aqui, que já valeria a coluna. Mas tem mais, e esse “mais” certamente é o melhor de tudo!

    Tamanha estupidez acabou chamando a atenção de David Dunning, que é um professor de psicologia da Universidade de Cornell.

    Poderia ser que um incompetente não tenha consciência de sua própria incompetência, precisamente por isso?

    Para responder a questão acima, convidou o seu então aluno e atual colega, Justin Kruger, para investigar a ideia de que a confiança que as pessoas depositam no próprio conhecimento nem sempre tem a ver com a quantidade ou qualidade do conhecimento que elas de fato possuem.

    Dessa maneira, reuniram um grupo de voluntários para realizar um experimento onde cada um dos participantes foi indagado sobre o quão eficiente se achavam em gramática, raciocínio lógico e humor.

    Após essa fase, um teste foi aplicado para avaliar a real competência deles em cada um desses quesitos e os resultados do experimento confirmaram o que Dunning e Kruger já suspeitavam desde o princípio: Aqueles que haviam se definido como “muito competentes” em cada área obtiveram as menores pontuações nas provas, enquanto os que tinham inicialmente se subestimado obtiveram os melhores resultados no teste.

    Tal experimento foi tão exitoso e revelador que ganhou o mundo com o nome de “Efeito Dunning-Kruger”.

    Com o advento das redes sociais, é cada vez mais comum vermos pessoas falando de maneira firme e convicta sobre temas que pouco conhecem, enquanto os verdadeiros especialistas no assunto não ousam ser tão categóricos em suas afirmações, já que têm plena consciência do quão complexo é o tema em questão.

    Como vimos, o “Efeito Dunning-Kruger” trata da habilidade do indivíduo em identificar suas limitações de conhecimento e compreensão, sendo mais latente em pessoas incapazes de reconhecer a própria ignorância, fato que lhes dá a ilusão de superioridade.

    Noutras palavras, ter a consciência de que não se sabe tudo é fundamental para o avanço do conhecimento. Acredito que se praticarmos a honestidade intelectual, mantivermos a humildade para aprender com quem quer que seja e atiçarmos nossa curiosidade constantemente, chegaremos sempre mais perto da verdade.

    Ou no mínimo não seremos o “Tio ou Tia do Zap”, que sabem exatamente como erradicar a pobreza no mundo, controlar o aquecimento global ou acabar com as guerras, mas infelizmente são talentos desperdiçados na obscuridade social que assola a humanidade.

    Gosto muito de uma frase atribuída ao ator, comediante, roteirista, diretor, produtor de televisão e músico britânico, Ricky Dene Gervais: “Quando você morre, você não sabe que está morto. Só é doloroso e difícil para os outros. O mesmo se aplica quando você é estúpido”.

    Por isso eu, ao menos, tento não ser estúpido!

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    LINK DO ESTUDO, EM INGLÊS:

    https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.64.2655&rep=rep1&type=pdf

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