Antes de começar essa coluna, creio ser indispensável deixar muito claro que eu abomino o nazismo, até porque, como portador de Artrogripose Múltipla Congênita, uma condição caracterizada por deformidade e rigidez das articulações, eu seria sumariamente assassinado por não me enquadrar nos requisitos de pureza exigidos pelo Reich.
Muito em razão da minha deficiência, foi natural para mim admirar incondicionalmente o Primeiro-Ministro inglês, Sir Winston Leonard Spencer Churchill, que antagonizou com Hitler, se tornando o Herói do Mundo Livre.
Churchill, desde o início, sempre foi radicalmente contra o nazismo. Certa vez, disse: “Se Hitler invadisse o Inferno, eu cogitaria uma aliança com o Demônio.”
Eu também.
Superada essa fase, vamos aos fatos. Semana passada, o youtuber Bruno Aiub, mais conhecido como Monark, foi desligado dos Estúdios Flow, empresa que ajudou a fundar e também do Flow Podcast, o maior programa de entrevistas da internet brasileira.
Só para você ter uma ideia, já passaram pelo Flow, personalidades como o pugilista Popó, o filósofo Pondé, o cantor Sidney Magal, o governador mineiro Romeu Zema e o biólogo Richard Rasmussen, por exemplo.
No episódio que foi ao ar no último dia 7 de fevereiro, os deputados federais Kim Kataguiri e Tabata Amaral foram os entrevistados.
Durante a conversa, eram debatidos os motivos pelos quais a Esquerda tem mais espaço na política do que a Direita, quando Monark, numa total infelicidade e arroubo de burrice, disparou: "A Esquerda radical tem muito mais espaço que a Direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço, na minha opinião [...] Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei".
É óbvio - principalmente quando você entende o contexto da entrevista - que Monark não estava defendendo o nazismo. Ele estava defendendo o direito de as pessoas serem burras o suficiente para apoiarem o nazismo e, justamente por isso, serem rechaçadas socialmente.
Ocorre que não podemos ter um Partido Nazista no Brasil, por causa da Lei Federal de número 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
O Artigo 20, § 1º da referida Lei diz que "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, rende uma pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
Mas a mesma legislação, no caput do já citado Artigo 20, diz que “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, rende uma pena de reclusão de um a três anos e multa. Não foi isso o que Monark fez, logo não cometeu crime.
Na verdade, ele se embananou ao tentar explicar a sua opinião que, acredito, era mais ou menos essa: O Comunismo, que é tão ou até mais abjeto do que o nazismo, não é proibido no Brasil, e tal fato constitui em erro. Isso porque ambas as ideologias nefastas foram responsáveis pelo assassinato de milhões de pessoas ao longo da história, e são igualmente perigosas.
Monark, ao invés de dizer que o Brasil deveria ter um Partido Nazista, poderia defender o banimento dos cinco partidos que se autodenominam como sendo comunistas em nosso País: Partido Comunista Brasileiro (P.C.B.), Partido Comunista do Brasil (P.C. do B.), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (P.S.T.U.), Partido da Causa Operária (P.C.O.) e a Unidade Popular pelo Socialismo (U.P.).
Mas, se eu defender que os partidos supracitados devam ser banidos, não estarei sendo antidemocrático? Num primeiro momento, sim. Mas como tudo na vida, não é tão fácil, isso porque permitir a propagação de discursos que neguem a democracia, equivale a destruí-la.
Para o professor e filósofo austro-britânico, Karl Raimund Popper, um dos maiores filósofos da ciência do século XX, “a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”. Isso quer dizer que se formos tolerantes ilimitadamente com os intolerantes, sem estarmos preparados para defender a sociedade da intolerância, logo os tolerantes serão exterminados junto com a própria tolerância.
Mas a teoria de Popper, assim como Monark quis e foi incapaz de dizer, defende que os discursos intolerantes sejam combatidos pelo argumento racional. Ninguém em sã consciência pretende que ideias que defendem ou propagam discursos de ódio ou desumanizadores possam ser proferidos porque vidas dependem disso.
Mas não se pode fazer desse fato, motivo para defender a censura, que é algo tão ou mais odioso do que propagar ideias deturpadas.
O já citado Sir Winston Churchill, certa feita discursou: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.” Muitos defendem a democracia, mas só até a segunda página. Por incrível que pareça, preservar a democracia passa por aceitar que outros digam coisas com as quais você não concorda.
Em setembro de 2003, por 8 a 3, os ministros do Supremo Tribunal Federal negaram um habeas corpus ao escritor e editor Siegfried Ellwanger, que publicou livros negando o holocausto nazista, expressando desprezo pelos judeus.
Dois trechos desse julgamento, para mim, são verdadeiras obras de arte na defesa da Democracia e da razoabilidade. Enquanto o Ministro Sepúlveda Pertence falou a favor da liberdade e proteção do livre pensamento, o Ministro Celso de Mello ressaltou que é preciso ser razoável ao exercer a liberdade de expressão.
Pertence disse: “Creio que a beleza e a seriedade da discussão sobre o conceito de racismo estão deixando um pouco na sobra uma outra discussão relevante: o livro como instrumento de um crime, cujo verbo principal é ‘incitar’. Fico muito preocupado com certas denúncias do pós-64 neste país, da condenação de Caio Prado porque escreveu e da condenação de outros porque tinham em suas residências livros de pregação marxista”.
E Mello destacou: “O abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado. Ao contrário, deve ser reprimido e neutralizado. É por tal razão que enfatizei que a incitação ao ódio público contra o povo hebreu não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão”, disse.
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