Em 2013, Steven Skiena e Charles Ward decidiram inovar na criação de sua lista do quem é quem na história humana. Em vez de partirem da opinião de um grupo de intelectuais como era de costume, eles resolveram agregar todas as referências existentes acerca de inúmeras personalidades, incluindo análises especializadas sobre seus impactos imediatos e póstumos, biografias e filmes, referências na internet e muito mais.
Hitler é a sétima pessoa mais importante da história da humanidade, de acordo com os resultados computacionais gerados, superando Buda, Einstein, Darwin, Thomas Jefferson e Marx.
Líderes terríveis tendem a dar origem a uma longa escala de veneração, como exemplificado pelas mortes recentes nas escolas de Aracruz, perpetradas por um adolescente com uma suástica no braço. Das falsas desculpas para invadir um país ao assassinato de inocentes no Espírito Santo, o fantasma nazista segue nos lembrando que a maldade suprema é o ópio dos infames.
Todo roteirista sabe que o vilão é o grande personagem nos filmes de aventura. Isto é igualmente verdadeiro em relação aos documentários. Pesquisa conduzida pelo think tank YouGov deste mostrou que metade dos americanos gosta de casos reais sobre pessoas que cometeram crimes horríveis, sobretudo assassinatos brutais e histórias de assassinos seriais.
Dezoito porcento das mulheres apontam este como o seu gênero preferido, enquanto outra pesquisa recente mostra que "73% dos consumidores acham documentários sobre crimes brutais mais interessantes do que ficção". O sucesso de "O Caso Evandro", "Pacto Brutal", "Bandidos na TV", entre outros, sugere que o Brasil não fique atrás, ainda que faltem dados confirmatórios.
Líderes sanguinários e criminosos comuns não são os únicos tipos indecorosos que causam atração. Existe um magnetismo perverso típico dos sacanas em disfarces —estes que não assumem o papel de vilão de filme, na vida real, mas que ainda assim agem sistematicamente como canalhas, muitas vezes amparados por discursos afetivos, moralizantes ou pragmáticos, os quais camuflam o desprezo que têm pelos que orbitam o ecossistema de suas vontades.
Mas, afinal, por que essa atração toda por aqueles cujo comportamento desprezamos?
PRECURSORES DA MALDADE
A luta do bem contra o mal oscila entre a simplificação plena e a manipulação. Assumir que as pessoas são boas ou más significa ignorar os preceitos mais fundamentais sobre a formação biológica e psíquica do ser humano. Comportamentos tidos como positivos em um contexto possuem conotação oposta em outro, e pessoas que cometem crimes atrozes são capazes de atos de ternura. Bondi, cachorro de Hitler, dormia ao seu lado na cama.
Isso tudo é sabido há pelo menos 50 anos. A questão é que este conhecimento trouxe o problema contrário: aprofundar-se nos temas da maldade e da virtude tornou-se tabu intelectual, o que reflete um desconhecimento sobre o quanto os estudos sobre o comportamento e suas bases evoluíram neste mesmo período, começando pelo fato de que está mais que estabelecido que praticamente todas as tendências se distribuem como uma gaussiana (curva do sino), em contraste com as narrativas maximalistas dos contos de fada e de George W. Bush.
A maldade é a inclinação a agir de maneira sabidamente recriminável, prejudicando uma ou mais vidas. Ela é um subproduto da consciência moral, que adquire seus derradeiros contornos de forma mais relativa que absoluta, em contraste ao status quo.
A disposição para gerar dolo consciente é facilitada por quatro traços de personalidade: narcisismo, maquiavelismo, psicopatia e sadismo. Os três primeiros são chamados de tríade obscura. Todos sentimos tédio, raiva, medo; todos fomos humilhados e já tivemos inveja. Todos, sem exceção, já fizemos coisas que não são legais, mas uma minoria age de forma bem mais odiosa. A tríade obscura e o sadismo abrem o caminho para esse diferencial.
Narcisismo, nesse contexto, é a tendência a realizar juízos assimétricos em assuntos que opõem o eu aos outros. Maquiavelismo é a tendência à manipulação. Psicopatia é um combo formado por falta de empatia e remorso com apetite ao risco elevado, enquanto o sadismo é a atração pelo sofrimento alheio. Esses traços são universais, mas variam em sua combinação e intensidade.
James Fallon é professor emérito de neurociências da Universidade da Califórnia. Em 2005, participou como sujeito de um experimento com ressonância magnética funcional do cérebro, voltado para Alzheimer. Analisando os exames, anonimizados por questões metodológicas, percebeu que um deles estava aparentemente trocado. Este mostrava um cérebro com formações típicas de assassinos identificados com psicopatia, grupo que ele também estava estudando.
Qual foi a sua surpresa quando soube que o exame em questão era dele próprio. "Eu descobri que tenho uma série de genes ligados à serotonina, cuja expressão aumenta o risco para agressão, violência e baixa empatia interpessoal, se você é criado em um lar abusivo. Mas, se você é criado em um ambiente positivo, o efeito nunca se manifesta" (Fallon, 2014).
A associação entre psicopatia e sadismo é a que mais favorece a maldade violenta, ao passo que a junção de narcisismo, maquiavelismo e doses moderadas de psicopatia prevalece entre os inescrupulosos disfarçados, que habitam o nosso dia a dia —ressalvado que combinação alguma de traços da personalidade possui caráter determinante, como mostra o caso Fallon.
TRÊS FORMAS DE ATRAÇÃO DA MALDADE
A atração pessoal pela maldade é universal ou quase isso, mas o mesmo não se aplica à atração por aqueles que lhe dão vazão. Em geral, repelimos aproveitadores ("free-riders"), egoístas desmesurados, cruéis e insensíveis; porém nem sempre é o caso.
Venho tentando entender essa atração há um bom tempo. A minha principal conclusão é que três dinâmicas interpessoais explicam a grande maioria, senão todas as formas de atração por pessoas que agem de maneira fortemente recriminável aos olhos da maioria: identificação direta, magnetismo do terrível e percepção inflada de competência.
IDENTIFICAÇÃO DIRETA
A forma mais simples de atração por pessoas más se dá por identificação direta. Aqueles que têm prazer em fazer os outros sofrerem costumam admirar figuras do presente e do passado de perfil semelhante. Ninguém exalta Brilhante Ustra movido por bons sentimentos.
Do mesmo modo, grupos neonazistas e afins servem menos para cooptar almas indefesas que para normatizar e socializar o potencial de destruição de quem já o tem aflorado.
O mesmo se dá entre casais. Em 2018, um estudo mostrou que jovens de ambos os sexos, com traços de psicopatia, tendem a se atrair mais que a média por terem preferências convergentes. Essa forma de atração representa um caso particular da tendência muito mais ampla dos seres humanos de se aglutinarem por similaridade. Ao contrário do que diz a sabedoria popular, os opostos raramente se atraem.
Por fim, existe a identificação mediada por experiências extremas de medo e sofrimento, as quais fazem da atração pelo malfeitor uma forma de mitigação do pânico. Às vezes, essa dinâmica é tão intensa que a conexão prevalece mesmo após o fim da tortura, física ou psicológica, como se vê na chamada síndrome de Estocolmo, mais famosa na teoria que na prática, e nos casos de pessoas que passaram anos em calabouços e desenvolveram afeição por monstros.
MAGNETISMO DO TERRÍVEL
A atração por pessoas de índole soturna ou simplesmente percebidas desse modo pode se dar opostamente à identificação direta. Ela pode ocorrer pelo magnetismo do terrível, que é a perplexidade que emerge quando tentamos compreender como alguém é capaz de perpetrar atos de crueldade extrema.
Essa é a forma de atração que alimenta a indústria dos documentários, a que mais cresce no streaming mundial. Ela também está por trás da dificuldade de conter a ruminação quando alguém nos trai profundamente a confiança e ganha passe livre aos nossos pesadelos.
Para alguns, o contato com o terrível leva a um questionamento existencial: será que existe algo do gênero em mim? Ou seja, o deslumbramento com personagens maus da nossa vida e de fora recobre a suspeita de que inclinações destrutivas se escondem sob a aparente estabilidade do eu. Apesar de muito relevante, essa não é a forma mais comum de magnetismo por pessoas más.
Conforme as pesquisas de mídia já citadas mostram, as mulheres são muito mais fascinadas pela maldade extrema, que serve de subtexto aos crimes brutais e histórias de serial killers, que os homens, perpetradores históricos, ainda que não exclusivos.
O imã, nesse caso, é a percepção de que as pessoas podem ser vítimas de coisas tão imprevisíveis quanto incontroláveis. Assassinos implacáveis são como placas em que se lê: "Atenção: perigo, coisas que fogem ao entendimento também acontecem e podem ser dilacerantes". O magnetismo do terrível que emerge é um subtipo de atração pela violência imprevisível que, de forma atenuada, alimenta medos comuns.
PERCEPÇÃO INFLADA DE COMPETÊNCIA
A tríade obscura é mais comum entre executivos ambiciosos que na população geral. Robert Hare estima que seja 300% maior; outros apontam taxas ainda mais altas, possivelmente porque as tendências podem ser vantajosas para quem as exibe, ainda que não o sejam para os outros.
O narcisismo estimula a ambição, tornando os indivíduos mais extrovertidos e fazendo com que consigam regalias por se colocarem à frente dos outros. O maquiavelismo leva a estratégias de pensamento que funcionam por não se retraírem frente à manipulação. Já a psicopatia torna as pessoas mais maleáveis e sedutoras, além de lhes dar uma aura de coragem.
Do mais, aqueles que combinam estes traços, dentro de certos limites, ganham bônus imerecidos nas avaliações externas de criatividade, pensamento estratégico e inteligência verbal.
Isto tudo leva a juízos inflados de competência, tornando essas pessoas mais atraentes para aquelas com quem mantêm relações práticas, esporádicas ou formais, desde que não estejam em seu caminho. A atratividade, assim, não decorre de inferências sobre o caráter, como na identificação e no magnetismo do terrível, mas da interpretação de inclinações recrimináveis como virtudes.
Outra forma poderosa de atribuição de competência aos inescrupulosos acontece pela valorização daquilo que seus pares ou seguidores sentem que lhes falta. Por exemplo, pessoas que têm excesso de medo, especialmente em termos interpessoais, tendem a enxergar líderes psicopáticos como extremamente capacitados, por agirem de modo destemido, o que no fundo acontece porque têm menos habilidade para ponderar riscos e se importam menos com os outros.
Relações abusivas, que se mantém por questões psicológicas e não práticas, também podem envolver avaliações distorcidas, porém essas são muito mais intrincadas. É conhecido o fato de que companheiras de homens tóxicos e violentos costumam ter a fantasia de que, sob a casca da maldade, existe uma alma sensível, que elas precisam emancipar. Nunca dá certo, o que leva à culpa, a qual retroalimenta a relação abusiva, impedindo a ruptura.
Tal como no amor dos temerosos pelo líder desalmado, o laço é mantido pela hipervalorização da complementaridade, sobretudo porque a autoestima está corroída. O comportamento do abusador é interpretado como falha pessoal, enquanto sua natureza profunda é idealizada. Busca da essência impossível é o nome do jogo.
A MALDADE EM TRÊS EPISÓDIOS
As três formas de atração por pessoas más, por vezes, funcionam como três episódios de uma série.
O deslumbramento baseado na percepção inflada de competência aos poucos cede lugar à identificação direta, que leva à inclinação para seguir os passos do outro, o qual corta violentamente as asas do seu pupilo, que se torna uma pessoa vidrada pelo que sente como o mais profundo magnetismo do terrível. Isso é comum nas relações professor-aluno e profissionais.
Em outras ocasiões, a história só possui dois episódios. Inspirada pelo magnetismo do terrível, Carol Boone se reencontra com Ted Bundy durante o seu julgamento. A convivência, que nunca havia sido íntima, leva-a à hipervalorização da complementaridade e, assim, à idealização do caráter da sua mais nova paixão, com quem tem uma filha. Isso ajuda a distrair o famoso serial killer que, durante a concepção, aguardava a sua vez no corredor da morte.
Porém, o mais comum é que essa forma estranha de atração se manifeste como um só episódio, reprisado de tempos em tempos. Independentemente do formato, a história sempre acaba mal.
Por Álvaro Machado Dias
*Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind