Golpe pra cá, golpe pra lá. Bolsonaro fascista! Você já se perguntou o que os inteligentinhos fariam se Bolsonaro ganhasse a eleição por 1% dos votos? Quebrariam a Paulista? Lula diria que "eles roubaram"? #olhaogolpeaí!
Mas mudemos de foco. Você já se perguntou a razão de pessoas, aparentemente normais, compactuarem com regimes totalitários? Não essas razões às pencas que transitam pelas teorias políticas, mas aquelas invisíveis e que se tornam visíveis quando já é tarde demais?
Vejamos um pequeno breviário de comportamentos que pode nos ajudar a identificar pessoas que se dariam muito bem em regimes totalitários.
O primeiro perfil é o mais óbvio: os burocratas. Totalitários amam memorandos e cadastros —e castigam quem não os tem. Adoram citar protocolos e os usam com frequência como arma letal contra desavisados que julgam poder confiar nas pessoas em ambientes institucionais.
Um segundo tipo: pessoas que amam a liturgia do poder institucional. Compram gravatas novas para cerimônias, vão a cabeleireiros caros quando encontrarão pessoas de poder. A respiração se altera minutos antes do evento porque se sentem atraídas pelas possibilidades de sorver gotas desse néctar atávico do mundo.
As pessoas do bem —não de bem, como diziam nossas avós— são perigosíssimas. Um erro de análise comum em relação a sistemas totalitários é achar que eles brotam apenas entre pessoas evidentemente cruéis. Não. Podem brotar com facilidade numa reunião que visa salvar o mundo, aliás, quase sempre este é o caso.
Pessoas que sempre falam em nome do coletivo não são confiáveis. Nunca. As normas são parte integrante da vida, é claro, ainda que infelizmente —e este fato é a prova de que nunca saímos da lama moralmente ou politicamente.
Mas o temperamento vocacionado a sistemas totalitários goza na explicitação dos detalhes das normas, seus subitens e inovações recentes. Vai além, justifica cada coisa como um texto sagrado —ou erótico.
Uma das formas mais sofisticadas desse temperamento são aqueles que justificam todo ato com a ideia de progresso. Engana-se quem acredita que o temperamento totalitário ame o passado, ele adora, sim, o futuro e o esmagamento de tudo que resista a sua irresistível —para ele— atração.
Gente muito limpa e excessivamente ordeira para quem tudo tem que estar perfeitamente "no seu lugar" também cresce em ambientes violentos. Medíocres, preguiçosos, vegetarianos radicais, pessoas que nunca traíram a confiança de um ser amado ou nunca se envergonharam de muitos momentos da sua vida subirão na hierarquia como um foguete.
Falta de humor é um traço marcante nesse elenco de personagens. Gente que leva tudo absolutamente a sério, a começar por si mesmo, sem a percepção da nota profunda de ridículo que anima o mundo, os projetos humanos e seus comitês e deliberações.
Totalitários são otimistas por natureza. Por isso o marketing tem vocação irresistível ao totalitarismo, mesmo quando fala em nome da liberdade de compra dos cidadãos da praça de alimentação. Considera uma gota de depressão uma forma de resistência ao seu mundo de motivações.
Mas não se engane: esse elenco tem também seu bobo da corte, suas pessoas supostamente sensíveis e de consciência evoluída, que não sofrem como os miseráveis que são incapazes de se reinventar.
Nada funcionaria num regime totalitário se não existissem juízes que amam o exercício do poder. Não precisam ser corruptos. Basta que acreditem plenamente na sua capacidade de julgamento.
A operação não se instalaria sem a parceria dos familiares e colegas de trabalho. O primo invejoso e a tia feia são essenciais. O vizinho vigilante e a vizinha fofoqueira são seus olhos e ouvidos. Um dos alimentos de sistemas totalitários é a oportunidade para a vingança dos ressentidos.
Pessoas incorruptíveis são a viga do sistema, principalmente no nível médio da gestão da violência. Aliás, almas corruptas, que bebem muito, viciadas em mulheres vadias, podem salvar a democracia diante de pessoas incorruptíveis, que são um dos tipos mais perigosos de todo o mundo.(Da Folha de SP)
*Por Luiz Felipe Pondé