• O nó da disciplina militar_ Elio Gaspari

    512 Jornal A Bigorna 04/12/2022 20:10:00

    É velha como a Sé de Braga a afirmação de que quando a política entra num quartel por uma porta, a disciplina sai pela outra.

    No princípio, um general pensa de uma maneira, e outro, de outra. Depois, a divergência passa aos coronéis, e assim sucessivamente.

    Em algum momento, os comandantes militares devem parar essa roda, pois já há gente chamando generais de “melancias” (verdes por fora, vermelhos por dentro). Chegou-se ao ponto de um sargento lotado no Gabinete de Segurança Institucional postar uma mensagem dizendo que Lula não subirá a rampa do Planalto no dia 1º de janeiro.

    A turma da transição quebrou a cabeça para escolher um ministro da Defesa. Pode ser importante, mas não é tudo.

    Os três novos comandantes das Forças assumirão seus postos com a tarefa de colocar ordem nas casas.

    Há chefes militares que empurram a disciplina com a barriga (Lyra Tavares, desastrosamente, em 1969) e chefes que a defendem com o pulso (Leônidas Pires Gonçalves de 1985 e 1990, e Orlando Geisel de 1969 a 1974).

    Estão aí, calados, dois comandantes que chefiaram o Exército sem tumultos: Enzo Peri (2007-2015) e Gleuber Vieira (1999-2003).

    Os dois sabem das coisas e afastaram-se da vida pública. Ouvi-los pode ser boa ideia. Ambos estão esquecidos, graças a duas regras de ouro do profissionalismo militar: se você é paisano e não sabe quem é um general, ele é um grande oficial, e se ele passou por um grande comando e você se esqueceu dele, foi um grande comandante.

    Quem matou Jane Stanford?

    Saiu um excelente livro nos Estados Unidos, é “Quem matou Jane Stanford?” (“Who killed Jane Stanford”). Seu subtítulo diz tudo: “Uma história de assassinato, enganos, espíritos e o nascimento de uma universidade”. Todo baseado em fatos reais e documentados. O autor, Richard White, é professor de Stanford e já escreveu outro livro, sobre o surgimento das ferrovias americanas.

    Leland Stanford e sua mulher, Jane, seriam um casal a mais na história americana se o filho, Stanford Jr., não tivesse morrido aos 19 anos na Itália. Eles quiseram lembrá-lo e criaram na Califórnia uma universidade com seu nome.

    O filantropo Leland foi um dos Barões Ladrões do seu tempo e cravou o prego de ouro na estrada de ferro que uniu as duas costas dos Estados Unidos. Jane, sua mulher, foi uma senhora esquisita, que recebia mensagens do marido e do filho mortos. Nesses tempos, o presidente dos Estados Unidos e a rainha da Inglaterra também se comunicavam com o outro mundo. Jane Stanford foi envenenada em 1905, aos 76 anos.

    Viúva, ela se metia com os currículos da Universidade Stanford e pedia a demissão de professores. Encantou-se com um jovem que se parecia com o filho morto. Desconfiava dos parentes, um dos quais dizia ter fotografado o espírito de Stanford Jr.

    Sem dúvida, alguém tentou envenená-la com estricnina ainda em 1904, e ela sabia disso.

    O professor White narra a vida de milionários e futricas acadêmicas, e na sua lista de suspeitos estão o mordomo, assistentes, criados, mestres e herdeiros. White conta sua história conhecendo a vida dos milionários e as intrigas universitárias.

    Jane Stanford embarcou para o Havaí em fevereiro de 1905. Levava muitas malas, uma caixa de remédios, joias que valiam US$ 2 milhões em dinheiro de hoje, e uma caixa de remédios.

    No dia seguinte ao desembarque passeou, jantou, tomou os remédios, passou mal e morreu. O médico, ao provar o que seria o bicarbonato da senhora, percebeu que nela havia estricnina. A autópsia achou vestígios do veneno.

    Nunca se soube quem matou Jane Stanford. O professor White ocupa metade do livro lidando com a pergunta. A investigação deslizou para o submundo do crime de Chinatown e da polícia da Califórnia. White prova que todos os suspeitos mentiram — das assistentes de Jane ao criado chinês. Grandes interesses precisavam que não houvesse estricnina nem envenenamento. Se Jane Stanford tivesse morrido de causas naturais, a universidade ficaria com uma boa parte da herança.

    No dia 24 de março, quando Jane Stanford foi sepultada em San Francisco, deu-se o cenário inverso do “Assassinato no Expresso Oriente”, de Agatha Christie: naquele, foram todos; neste, não foi ninguém. Jane teria morrido por causa de uma miocardite crônica.

    Diante desse desfecho White escreveu:

    “A história não termina aqui. Alguém matou Jane Stanford.”

    O professor White tem um irmão que escreve romances policiais. Conversando e lendo documentos e memórias, acreditam que desvendaram o crime.

    Transparência

    Perguntado se aceitaria um lugar no Ministério de Lula, o empresário Josué Gomes da Silva respondeu: “Sim.”

    Se toda a equipe de Lula assumir com esse grau de sinceridade, as coisas vão melhorar.

    José de Alencar, pai de Josué, foi o vice de Lula nos seus dois mandatos. Manteve suas opiniões e a fidelidade ao presidente.

    Fiesp

    Passadas algumas demandas do naufrágio da tentativa de golpe contra Josué Gomes da Silva na presidência da Federação das Indústrias de São Paulo, fortaleceu-se a impressão de que a trama nasceu no Conselho Superior do Agronegócio da instituição.

    De olho no Sistema U

    Lula está de olho em alguns ministérios (não todos) e no comando da Controladoria-Geral da União, bem como na Advocacia-Geral da União.

    Lula e a Alemanha

    Lula ganhou um argumento para negar cargos a figuras que são favoritas na bolsas de apostas:

    Isso acontece. A Alemanha foi eliminada na Copa do Catar.

    Imposto sindical

    Cozinha-se no comissariado dos sindicatos a ressurreição do imposto sindical.

    Extinto no governo de Michel Temer, ele mordia compulsoriamente um dia de serviço anual dos trabalhadores. Com a mesma cara, ele não voltará.

    Poderá vir, disfarçado de contribuição destinada a remunerar o trabalho do sindicato em serviços de assistência e na negociação de dissídios.

    O coração do problema está na contribuição compulsória, inclusive para trabalhadores que não se sindicalizaram.

    Há sindicatos que não prestam quaisquer serviços e, nos dissídios, consultam primeiro os empregadores.

    Estatística

    O ministro Alexandre de Moraes, que cuida dos inquéritos das manifestações golpistas, está diante de duas estatísticas. Uma é horrível, a outra é didática.

    A horrível é de Pindorama: ninguém foi preso pela baderna dos caminhoneiros de 2018. Ela quebrou uma perna do governo de Michel Temer, foram abertos dezenas de inquéritos, e ninguém foi para a cadeia.

    A outra vem dos Estados Unidos. No dia 6 de janeiro de 2021, uma multidão golpista invadiu o Capitólio. Pelo menos 955 cidadãos estão espetados na Justiça, cerca de 800 passaram pela cadeia e perto de 200 já foram condenados.

    Faro

    De duas pessoas que conhecem a política americana:

    A primeira garante que Donald Trump acabou.

    A segunda acha que seu lugar será ocupado por Ron De Santis, atual governador da Flórida, muito mais perigoso que Trump, por ser mais inteligente.

    *Por Elio Gaspari

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