
Em discussão no congresso a nova lei que trata dos atos de improbidade administrativa, tem levantado inúmeras celeumas a respeito de sua objetividade. Não é desconhecido que vários políticos que atuam no processo legislativo poderão ser beneficiados pelo novel, e aqui um parênteses de indignação pela ausência de imparcialidade desses representantes populares, que deveriam abster-se de debater e votar aquilo que pode atingir sua orbita pessoal de interesses, mas, talvez seja esperar muito de quem tem pouco a dar.
É fato que a atual norma (lei 8.429 de 1992), foi editada sob o calor do impeachment de Fernando Collor de Mello (hoje senador), e nesse momento, havia no país um sentimento de busca pelo fim da impunidade, pois o congresso estava dando "exemplo" em punir o autodenominado "caçador de marajás".
Nesse ambiente "esquizofrênico" foi editada a atual lei contra a improbidade administrativa, cheia de soluções milagrosas para os males que assolam a nação desde a chegada de Cabral, porém, optou-se por trazer à vala comum das nefastas improbidades, meras irregularidades administrativas, praticadas muitas vezes mais pelo despreparo do que pela má intenção, sem danos ao erário ou o mínimo de lesividade dolosa aos princípios que regem à administração publica (artigo 37 da Constituição Federal).
Qualquer desvio formal dentro da administração publica se tornou ato de improbidade, punido severamente, com ressarcimento de dano muitas vezes "presumido", multas que atingem cem vezes a remuneração do agente, suspensão dos direitos políticos, bloqueio imediato de todo o patrimônio do agente sem o contraditório (artigo 7º da lei 8.429/92), enfim, penalidades e cautelas que literalmente podem destruir liminarmente a vida civil do investigado.
A severidade draconiana da norma levou vários juristas a entender que a mesma tem natureza criminal, entre eles o Ministro Gilmar Mendes. [1] Ao longo dos anos, a jurisprudência aplicou com rigor a norma, dando, em várias oportunidades, equivocada interpretação, como a que "presume" o dano para punição na hipótese do artigo 10 nos casos de dispensa indevida de licitação.
É certo que o Brasil passou vários lustros sob a égide da impunidade, porém não é menos verdade que na atualidade vivemos quase em um estado policialesco, onde operações conduzidas pelo órgãos de controle com denominações de efeito, contrariamente a Recomendação CNJ nº 18 de 04/11/2008, buscam mais os holofotes do que efetivamente salvarguardar o interesse publico, muitas delas anuladas pelo Poder Judiciário em razão do "apaixonamento" dos agentes, situação que atropela o devido processo legal e as mais comezinhas garantias fundamentais. O país precisa de um equilíbrio jurídico, nem tanto a impunidade nem tanto o "justiçamento".
Não é demais lembrar Machado de Assis ao dizer que "A melhor maneira de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão".
A frase não poderia ser mais atual, pois as distorções da Lei 8.429 de 1992 precisam ser revistas. Como exemplo o artigo 20, caput, que determina: "A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória". Paradoxalmente o parágrafo único, em total antagonismo com o caput, estipula: "A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual".
Enquanto o caput prestigia o princípio da presunção de inocência, o parágrafo único aniquila o princípio, ao permitir que, por decisão liminar (até sem o contraditório), o agente seja afastado, de maneira rasa e superficial, cabendo apenas, ao magistrado, analisar a pertinência da medida para a instrução processual. Inúmeras outras impropriedades necessitam de revisão, e nada melhor no que uma nova norma.
O Plenário do Senado em revisão aprovou o projeto da nova lei (PL 2.505/2021). A matéria volta à Câmara dos Deputados para nova análise. O projeto embora alvo de críticas daqueles que acreditam no "justiçamento" como sinônimo de "justiça" tem muitos pontos positivos, e visa equilibrar a histórica impunidade cultural com um regime jurídico rígido, mas de garantias, pois a historia mostra que as piores injustiças são as rotuladas de justiça.
[1]A ação civil de improbidade administrativa trata de um procedimento que pertence ao chamado direito administrativo sancionador,que, por sua vez, se aproxima muito do direito penal e deve ser compreendido como uma extensão do jus puniendi estatal e sistema criminal. (STF - RECLAMAÇÃO 41.557 SÃO PAULO 15/12/2020)
*Jose Antonio Gomes Ignácio Junior, advogado, professor de Direito (EDUVALE), mestre em Teoria do Direito e do Estado, especialista em Direito Tributário, Eleitoral e Público (lato sensu). Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa "Luís de Camões" (Portugal)