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    Menores de 14 anos deveriam ser proibidos de usar redes sociais? NÃO

    221 Jornal A Bigorna 28/06/2024 16:10:00

    Lei assinada em março pelo governador da Flórida (EUA), Ron DeSantis, proíbe o uso de mídias sociais como TikTok e Instagram para adolescentes com idade inferior a 14 anos. Além disso, jovens com menos de 16 anos poderão acessá-las apenas com a autorização parental.

    O adolescente é capaz de tomar decisões adequadas e responsáveis sobre as imagens aos quais é exposto? A porção anterior do cérebro — lobo frontal—, associada à tomada de decisões, ao controle inibitório e dos impulsos, ainda está em desenvolvimento. Se essa análise estiver restrita a esse aspecto, temos a resposta: o cérebro adolescente não está preparado para responder adequadamente com tomada de decisões rápidas e formação de conceitos que antecipem os riscos e as consequências do conteúdo de mídias sociais, jogos de videogame, fóruns online etc.

    Além disso, as mídias sociais têm um sistema de recomendações algorítmico que identifica interesses. O adolescente sem supervisão que procure conteúdos reforçadores de comportamentos ou ideias negativas irá receber informações excessivas sobre o tema. Nesse contexto, uma lei que os protege pode parecer razoável, embora limitada.

    Entretanto, a razão pela qual tantos adolescentes e pré-adolescentes procuram conteúdos que reforçam sintomas depressivos e ansiosos permanece não abordada. A prevalência elevada de transtornos de saúde mental é mundialmente observada. Um estudo com dados coletados antes da pandemia de Covid-19 ("Global Burden of Disease", 2019) demonstrou que 293 milhões de indivíduos com idade entre 5 e 24 anos têm um transtorno mental. O estudo "Jovens na Pandemia" expôs que a prevalência já elevada de sintomas ansiosos, depressivos e emocionais se acentuou na pandemia. O isolamento, diagnóstico prévio de transtorno mental, exposição prévia a eventos traumáticos ou psicológicos, agressão, psicopatologia parental e menor quantidade de sono foram fatores relevantes.

    Não há dados contundentes sobre a relação das mídias sociais e a presença ou o aumento dos transtornos mentais. Contudo, há evidência sólida de que pais com transtorno mental são determinantes para a presença de transtorno mental de seus filhos.

    Não seria mais eficiente a criação de políticas públicas para a assistência à saúde mental dos jovens, visto o efeito benéfico da intervenção e prevenção precoces? Jovens saudáveis identificam conteúdos e pensamentos negativistas e podem evitá-los. Políticas públicas, entretanto, não trazem o voto imediato dos conservadores e de pais desesperados que procuram uma solução rápida. Infelizmente, ela não existe.

    Finalmente, as plataformas deverão ser capazes de identificar eficientemente e apagar a conta de todos os adolescentes contemplados por essa lei da Flórida. Para tal, a informação pessoal dos usuários terá que ser verificada e permanentemente apagada. Por si só, isso parece não factível, além de inconstitucional.

    A lei que bane a mídia social é perigosa ao levar a um sentimento de curiosidade e contravenção, podendo gerar efeito de "fruto proibido". Os pré-adolescentes e adolescentes são reconhecidamente capazes de criar identidades falsas que não permitem o seu reconhecimento. As mídias sociais se tornaram parte da identidade dessa faixa etária e do seu engajamento e aprendizado social. Dessa forma, teremos o efeito oposto.

    A verificação de idade e restrições ao acesso excessivo de conteúdos de risco de forma ponderada é necessária e desejada pela sociedade civil. Legislar com bom senso não pode ser tão difícil.

     

    Kette Dualibi Valente

    Professora livre-docente em neurologia infantil da Faculdade de Medicina da USP

     

     

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