• Lutar contra mentiras nas redes sociais é como enxugar gelo

    612 Jornal A Bigorna 06/09/2023 17:00:00

    Que inferno. Não aguento mais ver propagandas falsas postadas em meu nome nas redes sociais, com foto minha, frases editadas e até com uma voz que imita a minha, obtida com recursos da inteligência artificial.

    Os falsários anunciam remédios para curar diabetes, acabar com dores na coluna, garantir ereção, emagrecer dez quilos em uma semana, cremes para rejuvenescer e o diabo que os carregue.

    Ao lado desses estelionatários empenhados em explorar a ingenuidade alheia para ganhar dinheiro, estão as redes sociais, que se locupletam às custas deles.

    Explico melhor. Para que seus produtos atinjam o maior número de vítimas, o estelionatário divulga os conteúdos de forma orgânica (sem custo), mas ao mesmo tempo paga para as redes sociais impulsionarem os anúncios. Imediatamente, os algoritmos do Instagram, Facebook, Twitter (hoje X) e TikTok distribuem os posts para atingir milhões de pessoas, com base nos interesses do usuário. Como muitos dos que caem na armadilha repassam esses posts, outros milhões de ingênuos serão atingidos em cadeia, em poucos minutos.

    Indignados, muitos amigos e conhecidos me enviam essas propagandas mentirosas certos de que eu poderia retirá-las junto às redes que as publicaram. Ledo engano. É enxugar gelo.

    Em nosso portal de saúde, temos técnicos encarregados de monitorar esse uso criminoso de minha imagem. A única alternativa é a de denunciar o crime às plataformas, para que elas analisem a razão e a procedência da denúncia. De uns meses para cá, tais propagandas fakes são tantas que chegamos a encaminhar vários pedidos por dia. Explicamos que não se trata apenas do uso criminoso da imagem de um médico que jamais faria propaganda de medicamentos, mas de ameaça à saúde pública. Ninguém tem ideia da procedência nem da toxicidade do produto que está sendo vendido.

    Nós enviamos imediatamente a reclamação, as justificativas e o pedido de retirada, mas as plataformas responderão quando quiserem e se quiserem. Quase nunca se dignam a responder. Na melhor hipótese o fazem por meio de um robô que diz algo como: "avaliamos sua denúncia, seguimos em conformidade com nossas diretrizes". Em outras palavras: não é problema nosso, o azar é seu.

    Quando entregamos a reclamação para um advogado, ele descobre que o perfil de quem praticou o crime pertence a uma conta comercial vazia ou a emails falsos —a plataforma sequer se dá ao trabalho de verificar a identidade de quem lhe pagou.

    Sejamos racionais: se sou omisso ao ver alguém praticar um delito, nosso Código Penal me enquadra como criminoso. Esses crimes praticados em série por falsários, por meio das redes sociais que ganham dinheiro na divulgação deles com o objetivo único de enganar e roubar pessoas de boa-fé, podem ficar impunes?

    Visto que se trata da venda de remédios falsos, desconhecidos, que podem fazer mal aos que fizerem uso deles, não se trata de um atentado à saúde pública?

    Esse drama pessoal que tenho enfrentado nos últimos anos joga luz sobre um problema mais abrangente que é a regulação da internet. As plataformas fogem desse tema como o diabo da cruz. Por que será?

    O que justifica investirem tanto na formação de lobbies tão poderosos para impedir que sejam adotadas medidas legais que as responsabilizem pelo conteúdo publicado? Se eu cometer um crime contra a saúde pública, ofender ou caluniar alguém nesta coluna, prezado leitor, a Folha e eu seremos processados criminalmente.

    O que justifica as plataformas manterem essa conduta inerte e permissiva, capaz de assegurar a veiculação de conteúdos fraudulentos por criminosos que violam expressamente direitos individuais? Como explicar que sejam bem remuneradas por esse trabalho e ainda amparadas pelo privilégio de apenas serem obrigadas a remover um conteúdo falso mediante ordem judicial, que chegará tarde demais?

    Claro que não se trata de coibir a liberdade de expressão por meio de censura prévia, mas de fazer cumprir o Código Penal brasileiro para que as redes sociais proporcionem segurança aos usuários.

    *Por Dráusio Varela

     

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