LAMPIÃO O REI DO “CAGAÇO”
LITERATURA DE CORDEL
MAURÍCIO DE BARROS
Nos cafundós do sertão
Esse caso aconteceu...
A acauã vendo o bando
Do ninho se escafedeu...
Ouviu-se a jaguatirica
Dizendo: se ninguém fica
Muito menos fico eu.
Por ser tanto cangaceiro
Não se podia contar
E onde eles passavam
Não dava pra calcular
O estrago que ficava
Porque a corja deixava
Tudo de pernas pro ar.
Era época de São João
E a festa acontecia
Por isso no lugarejo
Muita fogueira se via
Mas quando o bando surgiu
O aviso se ouviu
Na Vila Santa Maria.
E quando escutaram a voz:
“Chegaram os cangaceiros!”
Todos naquele instante
Abandonaram os terreiros
Deixando o milho torrando
E a batata queimando
Dentro daqueles braseiros.
1
Dessa maneira o cangaço
Invadiu o povoado
Que com aspecto fantasma
Parecia abandonado...
Não tinha desde a entrada
Nem uma alma penada
Tudo estava calado.
Cadê o povo daqui?
Para mim isso é ofensa!
Falou Lampião irado
E decretou a sentença:
Vamos! Cerquem o lugarejo!
Vou saber por que não vejo
Gente em minha presença.
O resultado da ordem
Aos poucos já se via
O povo era arrastado
Na maior selvageria
E no meio do terreiro
De tão grande o berreiro
Causava até agonia.
Lampião disse baixinho:
Hoje a coisa se arrebita
Quero as pessoas pulando
Saltando como cabrita...
Vai ser uma maravilha
Vê-las dançando quadrilha
Pra, tu Maria Bonita!
2
A mulher se desmanchou
Em sinistra gargalhada
Acrescentando: a coisa
Vai ficar bem mais salgada...
Quero todo mundo nu
Mostrando o mucumbu
Porém dando umbigada.
A situação ficava
Já meio constrangedora
Aquela vontade dela
Era desesperadora
A quadrilha começou
E desse jeito rumou
Para a coisa sedutora.
No folguedo inusitado
Iniciou-se o escracho
E dizendo: tirarem as roupas
Lampião virou o diacho
Ordenando que o viril
Sentindo o fogo a mil
Não podia erguer o facho.
Lampião falou, ainda:
Quem esconder a vergonha
Vai sentir o meu punhal
E gritou com voz medonha:
Eu quero tudo pelado!
Mas de ânimo abaixado
Ou seja: a coisa tristonha.
3
Sendo obrigada a servir
Bebida pra ‘quela raça
Geni (a dona da casa)
Botou dentro da cabaça
O óleo do acarajé
(receita de um pajé)
E desandou a cachaça.
Esse azeite de dendê
Colocado em abundância
Provocou nos cangaceiros
Tamanha deselegância
E com aspectos murchos
Eles seguravam os buchos,
Meio curvados na ânsia.
Lampião se acocorou
Espalhando a catinga
E sem tempo de chegar
No mato... na caatinga
Exclamou, no desarranjo:
Valentia eu esbanjo
Só não quando bosta pinga.
Sabendo disso a volante
No sertão se embrenhou
E não vendo resistência
O bando aprisionou...
Assim o rei do cangaço
Virou o rei do cagaço
E o terror se acabou.