Juízes federais brasileiros receberam desde 2020, em média, R$ 145 mil de penduricalhos retroativos por decisões de órgãos da própria Justiça. Os pagamentos que engordaram o salário da magistratura federal somaram, neste período, R$ 332 milhões.
Os dados são públicos, mas não há um detalhamento sobre o motivo dos depósitos retroativos. Questionados pela reportagem, os tribunais não quiseram informar a razão de cada pagamento.
Dizem, ainda, que as verbas não são incluídas no cálculo do teto constitucional, atualmente de R$ 44 mil, e, por isso, não há que se falar em salários acima do limite permitido.
O gasto adicional decorre, em muitos casos, de ordens do CJF (Conselho da Justiça Federal), que nos últimos anos reconheceu que juízes não receberam benefícios pagos a outras categorias. Com isso, determinou a reposição dos valores de maneira parcelada a integrantes da categoria.
Uma decisão nesse sentido foi dada no final de 2022 e determinou a reposição retroativa de um adicional por tempo de serviço do período de 2006 a 2022.
Os repasses retroativos corroem a tese da magistratura federal de que a farra de penduricalhos e pagamentos extras que levam a inúmeros salários acima do teto constitucional se restringem à Justiça estadual.
O discurso é o de que há um descontrole em cortes estaduais porque elas são bancadas e reguladas pelos Executivo e Legislativo locais.
Isso, de fato, ocorre. Os Poderes estaduais são mais suscetíveis a pressões e a atuação do Judiciário é menos fiscalizada, o que cria um ambiente favorável à criação de penduricalhos para engordar os vencimentos.
Já a Justiça Federal é vinculada à União. A instituição de novos benefícios, geralmente, depende de lei aprovada no Congresso, o que demanda um processo legislativo mais complexo e transparente.
As recentes decisões do CJF, no entanto, ajudaram a driblar a dificuldade em elevar a própria remuneração.
Recentemente, o CJF determinou a todos os juízes que ingressaram na carreira até 2006 o pagamento de um adicional por tempo de serviço, também conhecido como quinquênio, que prevê um acréscimo salarial a cada cinco anos de trabalho.
No final de 2022, o conselho ordenou a reposição retroativa dos valores relativos ao penduricalho, de 2006 até aquela data. Em abril do ano seguinte, porém, a Corregedoria Nacional de Justiça mandou suspender o pagamento retroativo.
O partido Novo também moveu uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do CJF. O caso está sob responsabilidade do ministro Gilmar Mendes.
Outro pagamento retroativo diz respeito a passivos referentes ao PAE (Parcela Autônoma de Equivalência), benefício que prevê uma remuneração à magistratura para igualá-la a carreiras equivalentes, como as do Ministério Público.
Os retroativos beneficiam os integrantes da primeira e segunda instâncias da Justiça Federal.
O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) é o recordista nos repasses referentes a serviços já prestados. Desde 2020, foram gastos na corte R$ 96 milhões para esse fim.
O TRF-2 vem em seguida, com R$ 63 milhões. Depois vêm o TRF-1 (R$ 58 milhões), o TRF-3 (R$ 50 milhões) e o TRF-5 (R$ 46 milhões).
O TRF-6 é o que menos gastou (R$ 17 milhões), mas a corte foi criada em agosto de 2022, ou seja, há menos de dois anos.
O CJF não adotou decisões só em relação a retroativos, mas também estabeleceu elevação de remuneração futura.
No fim de 2023, com base em decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CJF editou uma resolução que aumenta em até um terço a remuneração de parte dos juízes federais.
A norma deu aos juízes compensação financeira ou até dez folgas mensais em determinadas situações.
Segundo a medida, juízes que acumulem funções administrativas ou outras atividades "processuais extraordinárias" terão direito a uma "licença compensatória na proporção de três dias de trabalho para um de licença, limitando-se a dez dias por mês".
Os juízes que não quiserem tirar as folgas recebem por elas. O tribunal deve pagar esses valores por meio de indenização, sem incidência do Imposto de Renda. (Da Folha de SP)