O indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas pela Polícia Federal (PF) por tentativa de golpe de Estado tem antecipado cálculos eleitorais para a próxima eleição presidencial e gerado temor de que generais delatem aliados.
A tensão cresceu no círculo íntimo de Bolsonaro. Uma pessoa próxima a ele afirma "não duvidar" que os militares de alta patente possam fechar acordos de colaboração com o Ministério Público Federal (MPF) para prejudicar o ex-presidente, e que os "generais são inconsequentes". A preocupação tem lastro no caso do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um de seus homens mais leais, cuja delação abasteceu as investigações.
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, na última terça-feira, 26, pessoas no entorno de Bolsonaro passaram a colocar a disputa presidencial de 2026 como suposta motivação oculta por trás das investigações contra o ex-presidente.
Na quarta-feira, bolsonaristas mudaram o foco da defesa dos aliados, usando como subsídio uma pesquisa eleitoral indicando vantagem numérica de Bolsonaro contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) num eventual duelo pelo Palácio do Planalto. O discurso aposta num eventual cenário em que o cerco sobre Bolsonaro poderia turbinar sua imagem de perseguido pelo sistema, e fortalecer seu capital eleitoral.
"A trama midiática contra @jairbolsonaro tem um único objetivo: tirar da corrida eleitoral o único nome capaz de derrotar Lula", diz o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em suas redes sociais, sendo endossado por outros parlamentares. "A nova estratégia da esquerda é deixar seus oponentes inelegíveis. Sem prender ou assassinar seus rivais políticos, eles visam manter ares de democracia no país dominado", escreve seu irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
O reposicionamento do discurso, que antes focava na questão processual — o deputado federal Paulo Bilysnkyj (PL-SP) vinha dizendo que "no relatório da PF não existe prova da participação de Bolsonaro em nenhum fato", e o comunicador Leandro Ruschel, que "não há evidências concretas de uma tentativa de golpe" —, se dá junto da torcida de que a eleição brasileira espelhe mais uma vez a americana.
O senador Rogério Marinho (PL-RN), secretário-geral do PL e principal interlocutor entre Bolsonaro e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, que estão impedidos pela Justiça de se comunicar, mantém o mesmo discurso: "Isso só fortalece o presidente (Bolsonaro), porque quando você exagera e persegue um grupo político desta forma, isso se reflete na população", afirma.
Se o líder do Partido Republicano é inspiração para Bolsonaro, Lula pode igualmente ser. Isso porque há conversas no entorno do ex-presidente para ele repetir a estratégia petista em 2018, quando Lula estava preso e foi inscrito como cabeça de chapa presidencial mesmo assim. Com o ex-presidente petista impedido de concorrer, o então vice Fernando Haddad assumiu o seu lugar, beneficiando-se da transferência de votos do aliado e chegando ao segundo turno.
No caso do PL, os nomes de Flávio e Eduardo são cogitados para a empreitada similar, se Bolsonaro continuar impedido de concorrer. Em 2023, ele foi condenado à inelegibilidade por oito anos pela Justiça Eleitoral por ataques à democracia.
A direita, no entanto, se vê numa situação desconfortável: dois dos três nomes melhor posicionados para enfrentar o PT daqui a dois anos estão enroscados em ações que resultam em inelegibilidade. Além de Bolsonaro, Pablo Marçal (PRTB) responde a processos que podem tirar seu direito de disputar eleições, principalmente no caso de um documento inverídico divulgado por suas redes sociais contra Guilherme Boulos (PSOL) na reta final da campanha à Prefeitura de São Paulo.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, também sob uma ameaça, ainda que considerada leve. Nesta semana, o ministro Kassio Nunes Marques arquivou uma notícia-crime aberta por Boulos contra Tarcísio que poderia deixá-lo inelegível.(Do Estado)