A segunda edição do estudo "Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil", feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a queda na renda familiar dos brasileiros verificada desde 2019 está ocorrendo acompanhada de um aumento na disparidade entre negros e brancos.
Em 2020, negros ganhavam em média 48,0% menos que brancos; em 2021 lacuna se ampliou para 49,4%. Entre os que se identificavam como pardos, a disparidade também se ampliou no mesmo de 46,8% para 48,3%.
A taxa de desigualdade por renda da população ocupada não diminuiu no estudo, o que sugere que o desemprego tem sido um fator importante para explicar a ampliação da lacuna na renda familiar de negros e brancos. Em 2021, os negros e pardos representavam 56,2% das pessoas na força de trabalho, mas entre os desocupados eram 64,8%.
Esses resultados mostram como a pandemia de Covid-19 prejudicou mais os negros do que os brancos, dizem os pesquisadores.
— Em 2021 por conta da pandemia e de seu impacto sobre o mercado de trabalho, os efeitos foram maiores sobre a população preta e parda, pois a mesma está inserida em ocupações mais vulneráveis. — afirmou André Simões, pesquisador do IBGE e coautor do novo trabalho. — Como a renda do trabalho é cerca de 75% do rendimento total dos domicílios, é provável que seu efeito tenha sido mais forte sobre as pessoas pretas e pardas.
Na última década, a disparidade na renda familiar dos negros permaneceu essencialmente a mesma, com esses ganhando cerca de metade dos brancos. Em 2021, porém, pela primeira vez na série histórica ocorreu uma sequência de agravamento no indicador pelo quarto ano seguido.
Racismo estrutural
O novo estudo do IBGE foi feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que foi agregada a outros estudos de indicadores sociais, como educação e vulnerabilidade à violência.
— Hoje em dia se fala muito em "racismo estrutural", um termo que pode parecer só jargão, mas ele é real — afirma a geógrafa Daiane Ciríaco, uma das autoras do trabalho divulgado hoje. — O racismo estrutural existe e tem a ver com a formação do Brasil.
Ciríaco integra o Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais, um núcleo que o IBGE criou para avançar no tema e inclui as questões raciais.
O estudo do IBGE mostra que, a despeito da ascensão social de alguns grupos negros, as desigualdades existem também nos recortes que consideram essas pessoas.
"O rendimento do trabalho das pessoas brancas foi, em média, 69% acima das pretas ou pardas", dizem os pesquisadores no trabalho. "O recorte por nível de instrução e hora trabalhada reforça a percepção da desigualdade, pois pretos e pardos receberam menos em todos os níveis, sendo que no mais elevado (entre pessoas com superior completo) tal diferencial alcançou 41%."
Raça e escola
O acesso à educação também revelou grande desigualdade. Entre as pessoas identificadas como brancas, 27,7% declararam não ter instrução ou ensino fundamental completo. Entre os negros e pardos as taxas foram de 36,5% e 38,7%, respectivamente. A desigualdade racial se manifestou em todos os níveis de escolaridade.
O novo estudo também atualizou os números de desigualdade no acesso ao ensino de qualidade. O período da pandemia de Covid-19, sobretudo nos anos em que escolas tiveram de fechar por causa do vírus, também impactou mais as pessoas negras.
"O percentual de estudantes pardos (13,5%) e pretos (15,2%) de 6 a 17 anos de idade sem aulas presenciais e sem oferta de atividades escolares foi mais de 2 vezes superior ao de brancos (6,8%)", diz o trabalho. "Os estudantes pretos e pardos também apresentaram percentuais maiores dentre os que não mantiveram a frequência diária semanal de estudo (menos de 5 dias) e que consagraram menos de 2 horas diárias às atividades escolares."
Houve também uma quebra na tendência de democratização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que é uma prova importante para ingresso no ensino superior. Entre 2019 e 2021, as inscrições de participantes pardos ou negros caiu de 58% para 54,7%.
Raça e violência
Os dados sobre o impacto da violência também ajudam a retratar a desigualdade racial no país.
A taxa de homicídios de pessoas pretas foi de 34,1 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2020, último ano em que o dado está disponível, comparada a 11,5 para pessoas brancas.
O trabalho do instituto também retratou a desigualdade racial em outros aspectos, como acesso à terra, moradia e bens de consumo, além de representação política e participação em cargos de gestão no setor privado.
Para o analista do IBGE João Hallak, um dos coordenadores do trabalho, os dados mostram que políticas precisam atuar de forma mais preocupada com o racismo.
— No combate às desigualdades existentes Brasil, a questão racial ocupa um lugar central — afirmou. — O processo de desenvolvimento, ao longo da história, tem tido como consequência maiores níveis de vulnerabilidade socioeconômica e espacial para as populações de cor ou raça preta, parda e indígena.(Do Globo)