O governo Jair Bolsonaro está prestes a criar uma bolha de crédito sem precedentes na história brasileira. Incapaz de garantir condições dignas de sobrevivência para famílias carentes, o Executivo optou por destruir as bases do Bolsa Família, retirar suas contrapartidas e substituí-lo pelo eleitoreiro Auxílio Brasil. Definiu que o piso do programa seria de R$ 400 sem qualquer estudo técnico, independentemente do tamanho das famílias e da idade dos filhos, e, apavorado pela estagnação de Bolsonaro nas pesquisas, decidiu elevá-lo a R$ 600 seis meses depois. Agora, a título de facilitar o acesso ao crédito em um país de endividados, o governo achou por bem autorizar o contingente de atendidos pelo Auxílio Brasil a tomar empréstimos consignados, modalidade de financiamento em que a parcela é descontada do pagamento de forma automática.
Essa temeridade era parte de uma medida provisória enviada ao Congresso em março e que já recebeu o aval da Câmara e do Senado. Pelo texto aprovado, os beneficiários poderão comprometer 40% do valor que recebem em operações com prazo de até dois anos. A proposta ainda precisa ser regulamentada, mas já há instituições prontas para atender este público com escorchantes taxas de 4,98% ao mês e de 85,99% ao ano, como relatou a jornalista Adriana Fernandes em sua coluna no Estadão. O Executivo poderia ter tentado resguardar os mais vulneráveis ao impor um teto aos juros dessas operações. Se estivesse preocupado em reduzir as taxas cobradas na ponta, poderia ter colocado a União como garantidora em caso de inadimplência. Como não fez nada disso, o céu será o limite e cada um que se proteja da forma como puder.
Não há por que esperar uma atuação social consistente de um governo que pensa dia e noite na reeleição, mas dessa vez a temeridade atingiu o ápice. Dados mais recentes da Serasa Experian apontam que 66,6 milhões de pessoas estavam com o nome sujo em maio, o maior número de devedores de toda a série da pesquisa. Com a disparada da inflação e os juros em alta, milhões de brasileiros lutam pela sobrevivência diária em trabalhos informais que pagam baixos salários. Muitos escolhem quais contas deixarão de ser pagas a cada mês; outros procuram financiamentos para quitá-las. Há também quem busque alavancagem com novos empréstimos para pagar financiamentos mais antigos – ou seja, rolar dívidas. Quase metade da população está um pouco ou muito preocupada com sua situação financeira, e 6 em cada 10 brasileiros acham que não conseguirão pagar suas contas nos próximos seis meses, segundo pesquisa realizada pela Ipsos e publicada pelo Valor.
A dureza do cenário econômico já permitia vislumbrar um aumento da inadimplência nos próximos meses, mas a entrada de 20 milhões de famílias do Auxílio Brasil no mercado de crédito faz desta previsão uma certeza. Ao menos em tese, o aumento do piso do Auxílio Brasil é temporário e volta a ser de R$ 400 em janeiro. Não há, no Orçamento de 2023, recursos reservados para mantê-lo em R$ 600, a despeito das promessas de campanha feitas por Bolsonaro e pelo petista Lula da Silva. Para levantar um montante de R$ 2.500, o beneficiário terá que pagar R$ 160 mensais e receberá R$ 440 até dezembro; quando o valor pago pelo governo voltar a ser de R$ 400, a parcela que efetivamente chegará ao seu bolso será cortada para R$ 240, praticamente o mesmo que era pago em média pelo Bolsa Família em 2021. Ao fim dessa operação, terá pago quase o dobro do que tomou inicialmente e provavelmente estará devendo a agiotas que cobrarão juros ainda mais exorbitantes em operações paralelas.
Não satisfeito em distorcer todos os conceitos de políticas sociais orientadas pela redução da desigualdade e pelo combate à pobreza, o que o governo faz agora é lançar milhões de famílias vulneráveis e desprovidas de qualquer noção de educação financeira ao precipício. As consequências de mais uma decisão marcada pelo improviso e pelo desespero eleitoral são mais do que previsíveis.