• Francisco e o tempo da Igreja

    526 Jornal A Bigorna 22/04/2025 17:00:00

    O tempo da Igreja Católica não é o tempo das pessoas. Quer você acredite que ela atua sempre sob inspiração de Deus, quer a considere uma construção exclusivamente humana, estamos falando de uma instituição com 2.000 anos de idade, que se move para adaptar-se a novos tempos, mas o faz em seu próprio ritmo.

    "In saecula saeculorum", ou nos séculos dos séculos —isto é, lenta e cuidadosamente. Se há uma entidade por definição não revolucionária, esta é a Igreja Católica.

    O argentino Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, morto nesta segunda-feira (21) aos 88 anos, entendeu isso. Como pessoa física, Francisco abraçava ideias progressistas —sobretudo se as compararmos com as de seu antecessor imediato, Joseph Ratzinger, o papa Bento 16, cujo apelido, o "rottweiler de Deus", dá a dimensão de sua rigidez doutrinária.

    Alçado à Cátedra de São Pedro, Francisco não abandonou as posições modernizantes, mas tampouco tentou impô-las a ferro e fogo. Introduziu, isso sim, mudanças sutis, que dão abertura para que sucessores as aprofundem —se a Igreja, em seu ritmo, entender que esse é o caminho .

    É nesse contexto que se deve entender a famosa declaração de que não caberia nem a ele, papa, julgar homossexuais que busquem Deus. A fala, que chocou os conservadores, foi complementada por alterações pastorais que permitem a sacerdotes, em certas circunstâncias, dar comunhão e a bênção a casais homossexuais, bem como a divorciados que contraíram novas núpcias.

    Francisco tentou tornar a Igreja mais acolhedora para vários grupos, porém sem promover mudanças na doutrina e em posições por demais consagradas da instituição. Não fez nada para tornar o aborto mais aceitável, por exemplo, mas logrou tornar a posição da Igreja mais coerente ao fazer com que ela passasse a condenar a pena de morte em todas as circunstâncias.

    Também compreendeu bem que os movimentos demográficos definirão o futuro da Igreja Católica. Ampliou a influência de países de América Latina, África e Ásia, cujas populações ainda crescem, em detrimento da Europa, que encolhe. Passou a dar especial ênfase à questão da imigração, tema que se tornou um dos principais motivos de polarização ideológica no mundo.

    Outra marca do pontificado de 12 anos foi ter trazido as questões ambientais e a desigualdade social para o centro das preocupações da cúpula do catolicismo.

    Divina ou humana, a Igreja não é imune às vicissitudes da política. As ideias que Francisco introduziu decerto desagradam às alas conservadoras. Mas a prudência com que ele as abraçou, sem ferir dogmas nem os pontos mais importantes da doutrina, as tornam difíceis de rechaçar.

    Mesmo que ele venha a ser sucedido por um papa mais conservador, não será simples denunciar suas inovações como um erro grave e simplesmente proscrevê-las. É o tempo da Igreja, afinal.(Da Folha de SP)

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