FLÂNEUR
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Santos Peres
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Na argamassa da poesia caberiam pedras e ferro
da firma Cabral & Bandeira para dizer
que em bueiros e desvãos há homens-bicho;
areia branca e fina e um quê do cimento de Vinicius
caberiam para dar um pouco de luz às sombras
tristes da cidade.
Queria viver de poemas líricos
espalhando versos pelas calçadas
dependurando rimas como flores
nas sacadas;
construir um sol, uma ponte, uma menina na bicicleta,
um riacho, uma bola e um pássaro azul...;
também caveiras e rostos distorcidos
para dizer da Guernica que nos cerca.
Queria parir a cidade
tirando de suas entranhas gritos
loucos de Munch
para cambiar com ela canteiros
de afagos e beijos em grafites
de delicadezas...
Agora não sabe por que a argamassa
desandou: sempre que pensa em sair por aí
homens embrutecidos acinzentam seus muros
com os pinceis da dureza e da ignorância.
Mas os cães... Esses não ladram à sua passagem.