As pessoas sempre traem, de alguma forma, umas às outras. Os cães são fiéis para sempre. As pessoas mentem em algum momento; cachorros jamais. O olhar humano apresenta algum julgamento; um animal de estimação é pura entrega sem crítica.
Olhei um homem em situação de rua em São Paulo. A aparência era o fruto da exposição ao mundo cruel e sujo. Ao seu lado, um cachorro, igualmente exposto à podridão urbana. Seguia, fiel, o tutor. Sem veterinário, longe de boas rações, sem brinquedos, tosas, banhos ou roupinha de inverno, aquele animal era da mesma dedicação que o mais mimado cão de raça em palacetes. O olhar e o coração, sob pelo sedoso ou cheio de impurezas, permanecem os mesmos.
Saio para trabalhar o dia todo. O cachorro permanece em casa. Não entende minha ausência. Não a julga. Não pede explicações. Ao voltar, sua alegria é absoluta. Nem um murmúrio, nenhuma reclamação. Nunca insinua: como você passou o dia fora? Apenas pula, late, lambe e rola com a ideia: que bom que você voltou.
Você se esquece do aniversário de um amigo, da esposa, do marido, da sogra? Prepare-se para a tempestade e até a vingança no dia do seu. Viajou e não trouxe nada para quem ficou na sua casa? Haverá um silêncio constrangedor. Foi para a Europa e trouxe algo simples em função do euro nas alturas? Nem todos os familiares entenderão sua contenção. Seu gato nada espera: ele apenas quer você.
Animais dormem tranquilos ao seu lado. Entregam-se ao sono com uma confiança e um deleite quase tocantes.
No campo da etiqueta, os pets são extraordinários. Você não enrola o macarrão com o garfo? Toma sopa com estardalhaço? Nunca haverá uma nota de reprovação do seu quadrúpede. Não julgam sua flatulência. Eventualmente, inclusive, colaboram no festival de fogos.
Muitos se chocam com as demonstrações de carinho entre humanos e animais. Eu entendo perfeitamente. Nós humanos podemos ser até bons de quando em vez. Os animais de estimação trazem um dom permanente e forte a cada casa. Sua partida devasta uma família. São um presente de luz que ilumina uma parte da nossa existência. Eu luto pela sabedoria e sou derrotado com frequência. Os cachorros e gatos que eu tive nasceram profundamente sábios. Alguns foram estoicos, outros, hedonistas, todos filósofos com pelos e felicidade. A pergunta que faço a cada animal é a mesma: como você gosta tanto das pessoas? Ensine-me o segredo de redescobrir o valor da humanidade. Sei o motivo de amá-los. Por que eles gostam da gente? Minha esperança é que, um dia, eles falem disso.
*Por Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo