
Me chamo Osvaldo e trabalho como Escrevente Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo. É um trabalho bastante interessante, se sua lotação for numa sala de audiências. Lá você não faz esforço físico, tem mais ou menos um modelo do que vai escrever e fica sabendo de todas as melhores (ou piores), histórias da cidade. Se for uma cidade pequena, é até melhor, porque aí você conhece as pessoas, provavelmente.
Todo Escrevente que se preze vive de cigarro e café. Eu não fujo dessa regra, mas as semelhanças acabam aí. É que eu sou médium, ou seja, vejo gente morta “o tempo todo”, como disse aquele molequinho do Sexto Sentido.
Nas horas vagas, eu frequento cemitérios, necrotérios, velórios e hospitais, para dar suporte aos espíritos que acabaram de desencarnar.
Geralmente eles não sabem que estão mortos, porque eu chego cedo, por assim dizer. Meu objetivo sempre é evitar que eles fiquem vagando por aí, pois a pior coisa que pode acontecer para uma pessoa, é se transformar em alma penada que anda a esmo.
Sou médium desde criança. A primeira vez que vi um espírito, foi no meu quarto. Eu devia ter uns 4 anos e foi um berreiro só, de madrugada. Meus pais achavam que era coisa da minha cabeça... por muito tempo até eu achei que era mesmo. Mas hoje sei que aquela mulher vestida de noiva e com as tripas todas de fora, era real.
No começo, eu não conseguia distinguir os mortos dos vivos, e por isso meus familiares achavam que eu tinha um coleguinha imaginário. Também pudera! Eles me viam conversando com “o nada” bem frequentemente.
Dos 4 aos 11 anos, mais ou menos, eu sempre conversava com um menino que dizia ter morrido atropelado por um caminhão em 1978. Ele era o único menino que eu conheci, que não gostava de caminhões, o que é compreensível.
No colegial, estudei no Colégio das Freiras Carmelitas. Era um lugar apropriado e as Freiras eram realmente boas conosco, tanto que sou um católico fervoroso. O problema é que o prédio era bastante antigo e, por ser um Convento, atraia bastante gente morta.Alan Kardec, o precursor do Espiritismo, dizia que “os espíritos nos acotovelam”. O cara estava certo, te garanto! Há muito mais gente morta do que viva, vagando por aí.
No Colégio, por exemplo, tinha uns 40 encarnados na minha sala, e uns cento e tantos desencarnados.
Com o passar dos tempos, comecei a perceber que se eu não desse bola para os mortos, eles não tinham como saber que eu os via. E, quando você vê espíritos, não pode deixá-los saberem disso, senão te perseguem.
Uma vez, no hospital, vi uma moça desesperada e não consegui disfarçar. Ela imediatamente começou a pedir por socorro e fui ajudar. Quando me sentei ao seu lado, ela disse que havia sofrido um acidente de bicicleta, mas não sabia se tinha morrido... A última coisa que ela viu, foi os médicos e enfermeiras entrando com o seu corpo no Centro Cirúrgico.
Sua reclamação principal era a de que ninguém a respondia. Ela acreditava que era por má vontade, mas eu expliquei que era porque ela estava morta.
Foi uma reação inesperada, pois ela surtou e começou a gritar muito e em tom absurdamente alto. Até me espantei pelo fato de os demais frequentadores do hospital – vivos e mortos – não terem sentido nada, aparentemente.
Às vezes, uma pessoa não vê espíritos, mas sente sua presença. É bem comum alguém desviar de um caminho sem motivo aparente, e bem naquele lugar, ter um espírito. Outra coisa bastante comum, é alguém arrepiar sem motivo.
Já salvei muitas almas de se tornarem penadas, mas a maioria simplesmente não acredita em mim e continua apenas andando por aí. Às vezes elas encontram a luz, mas geralmente não.
E eu sigo meu caminho, como evangelizador de mortos.