• Contos do Zé #32 - A Lei Seca da Pandemia

    671 Jornal A Bigorna 11/12/2023 16:00:00

    Palanque do Zé

    Na longa história da Humanidade, todos os que tentaram impor limites e restrições ao consumo, comercialização e produção de álcool se deram mal. Graças a Deus!

    Até os Estados Unidos, verdadeiro farol da liberdade no Mundo, já conheceu esse erro. Quando implantaram a Lei Seca, entre 1920 e 1933, viram a criminalidade explodir e pessoas de bem serem presas.

    A verdade é que, desde que os nômades fizeram o hidromel por mero acaso e um pouco de porquice, cerca de 10 mil anos atrás, nossas vidas nunca mais foram as mesmas. Para o bem e para o mal.

    Tudo corria bem até que a China nos ferrou com a Pandemia de COVID-19! Além de matarem muitos de nós, ainda criaram o cenário perfeito para que os tiranos criassem asas!

    Fecharam nossas empresas, criaram pânico na população e até nos forçaram a tomar vacina! Tudo para “vencer” o vírus, diziam.

    Nesse meio tempo, o Governador e vários prefeitos via Decreto, caíram no erro de tentar impedir a venda de bebidas alcoólicas, mesmo sabendo que não existiam evidências científicas de que essas restrições diminuiriam a circulação do vírus.

    Foi assim que eu, Enoque de Pádua, filho de Izaltina e José Maria, me transformei de um respeitado dono de bar em Vila Verde, num traficante de cerveja.

    Veja: Eu tinha contas a pagar, o movimento era pequeno há meses e o bar estava fechado havia 15 dias. E, sobretudo, a goela dos meus clientes estava seca. Era o cenário perfeito para a minha entrada no “mundo do crime”, como gozou meu netinho Raul.

    Um dia, bem cedo, me levantei com cuidado para não acordar a Dolores, que dormia profundamente, coisa rara para nós velhos, e fui para o banheiro.

    “Fiz o 2”, como vocês jovens falam hoje em dia e escovei os dentes. Nem todos são originais depois de 77 anos, mas a humilhação de ter uma dentadura dançando na minha boca ainda não chegou.

    Voltei para o quarto, peguei o Tirônio debaixo do travesseiro, coloquei na cintura e fui fazer café.

    Enquanto a água fervendo passava pelo filtro, transformando-se em café, tentei lembrar de quem foi a ideia de batizar o meu velho revólver Rossi, calibre 22, de “Tirônio”. Acho que foi meu sobrinho Carlos, mas não tenho certeza. De todo modo, é um bom nome, porque é sonoro.

    Aliás, depois que a gente fica velho, a maioria das coisas que possuímos tem mais idade que muita gente. E com o meu revólver, não é diferente!

    Muita gente já me falou pra trocar o Tirônio por uma pistola 9mm ou algo assim... Mas não vou fazer isso, afinal, se ele protegeu a mim e a quem eu amo desde que eu tinha 14 anos, lá no sítio, há 63 anos, portanto, não tem porque mudar, não é mesmo?

    Dizem que o Rossi Princess, que significa “princesa” em português, é o pior revólver do Brasil. Mas quer saber? Eu gosto dele e pronto.

    Mas divaguei aqui.

    Quando minha Véia finalmente acordou e foi pra cozinha atraída pelo cheiro de café e pão na chapa, a servi e contei-lhe meu intento:

    — Vou pra Dois Rios com a Pampa, pegar umas caixas de cerveja com o Rubens. Ele me telefonou ontem e disse que conseguiu com o pessoal da fábrica, pelo preço de antes dessa merda chinesa toda espirrar em nós.

    — Véio do céu, não faz isso! Você quer ser preso?

    — Não, mas também não quero morrer de fome e nem deixar você passar necessidades! Isso nunca aconteceu desde o dia em que eu te tirei da casa do seu pai – que Deus o tenha - e não será agora, depois de 59 anos de casados, que vou deixar acontecer!

    Por mais incrível que possa parecer, aquele argumento bastou para Dolores, e a nossa discussão acabou. Não que a gente brigue muito, é verdade. Nenhum casamento duraria tantos anos, se não fosse bom. Acontece que a gente tem que ceder de vez em quando, é verdade. Mas “a lã não pesa pro carneiro”, já dizia minha Avó.

    Peguei as chaves da Pampinha, fui para a garagem e abri o portão. Nunca gostei muito desse negócio de tecnologia, mas tenho que admitir que o tal do portão eletrônico é uma mão na roda!

    Apesar de morarmos no centro da cidade, não tive dificuldade para sair com o carro, já que as ruas estavam desertas. Ao que parece, a Rede Globo conseguiu deixar todo mundo louco e tremendo de medo com aquela merda de “fica em casa, que a economia a gente vê depois”.

    Era um dia bonito e sem nuvens, no fim da primavera, então o vento ajudava a amainar o calor. Fui com as janelas abertas e ouvindo Tonico e Tinoco no toca-fitas. Essa molecada de hoje nunca vai saber o que é música de verdade, porque só ouvem essas cagadas pornográficas que passam na Internet!

    A viagem não foi longa, porque Dois Rios faz divisa com Vila Verde pelo sul, de modo que, após ter saído de casa, em 40 minutos eu já estava conversando com o Rubens.

    Logo carregamos a Pampa com 12 caixas de cerveja na caçamba e mais uma no banco do passageiro. Não gosto do número 13 para nada (nem na Urna), mas seriam 24 garrafas a mais, e eu não estava em condições de recusar dinheiro algum.

    Me despedi do Rubens rapidamente e iniciei a viagem de volta para casa.

    Assim que cheguei, guardei o carro na garagem e pedi para a Dolores abrir a porta de carga e descarga do bar, que ficava dentro do nosso quintal.

    Fui ao banheiro desaguar o joelho e logo voltei para descarregar o carro. Em dois dias consegui vender cada uma das 312 garrafas que tinha comprado. Foi um lucro de R$ 4. 305,60. Não é grande coisa, mas deu para passar o mês.

    Naquela noite, quando fomos dormir, Dolores percebeu que eu estava feliz e perguntou se eu faria de novo. Respondi que sim. E que o dinheiro era bom, mas que poder mostrar o dedo do meio para o Governo era melhor ainda!

     

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