Aquela era uma quinta-feira especial para Carlos, afinal ele aproveitaria o final de semana prolongado para pedir a mão de Taís em casamento.
Seu Pai já havia lhe prometido o carro emprestado e dado alguns conselhos para que a noite fosse especial.
Ainda eram 19 horas, mas Carlos já se preparava para o encontro. Não queria deixar Taís esperando, mas certamente ele teria que esperá-la. Sem problemas, ele curtia a companhia dos Pais dela, que eram católicos atuantes na comunidade.
Enquanto fazia a barba, Carlos se emocionou ao compreender que seu Pai havia lhe emprestado a coisa material mais importante que tinha: Um Opala 1969 azul niágara.
Ele sabia que um dia aquele carro seria seu, mas ver o Pai polindo-o para que usasse naquele que seria, até então, o dia mais importante dos seus 22 anos, era especial.
Vestiu sua calça jeans novinha em folha, seu velho tênis All Star e uma camisa branca. Sua Mãe lhe garantiu que, dessa forma, estaria bem.
No bolso esquerdo, colocou o celular e no direito, a carteira. Sua 1911 estava no coldre, afixada do lado direito. Vestiu sua jaqueta de couro preta e colocou a caixa de alianças no bolso direito.
Ao descer as escadas, seu Pai já o aguardava com as chaves do Opala e com um brilho nos olhos. Carlos sabia que ele tinha algo importante a dizer:- 25 anos atrás eu estava na sua posição e sei como você se sente. Passe esse perfume, faça tudo direto e garanta que essa noite seja inesquecível para a Taís.
- Pode deixar, Pai.
Na porta estava sua Mãe, igualmente emocionada. Ela lhe deu um beijo na bochecha e disse:
- Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida. É o dia em que você está lançando as fundações da sua família. Estou muito orgulhosa disso!
- Eu sei, Mãe.
Ao sentar-se no Opala, Carlos passou as mãos no banco de couro impecavelmente branco, segurou no volante e deu a partida. O som daquele motor era realmente apaixonante, verdadeira música para os ouvidos.
Ao sair da garagem, Carlos viu que seus Pais estavam na varanda e deu uma buzinadinha.
Virou a esquina, e parou no farol da Avenida Campestre, a mais movimentada de Vila Verde. Seu trajeto até a casa de Taís não seria demorado, afinal aquela era uma cidade pequena. Mas, mesmo assim, ligou o rádio bem no momento em que o locutor anunciava:
- São 21:32, essa é a sua Rádio Rock e agora você ouve “Last Kiss”, da banda americana de rock & roll mais popular dos anos 90, e que foi incluída no Rock and Roll Hall of Fame em 2017, Pearl Jam!
Ao chegar na casa de Taís, Carlos logo foi recebido por seus Sogros no sofá da sala e informado que teria de esperar:
- Mulheres, meu caro! Elas nunca estão prontas na hora marcada! – Disse rindo seu velho Sogro.
- Fica tranquilo, que hoje a noite será especial!
Sua Sogra, ao lhe entregar uma lata de Coca-Cola, quase que envergonhada, perguntou:
- Nós, mulheres, sentimos quando algo especial vai acontecer. Você pode me mostrar as alianças?
Carlos foi pego de surpresa, mas logo tirou a caixinha do bolso e a abriu.
- São lindas! Disseram seus Sogros. Estamos muito felizes em saber que agora você será um dos nossos! Nossa Taís fez uma excelente escolha!
- Fiz questão que a aliança dela tivesse um diamante, porque quero que a nossa história tenha as mesmas características da pedra: Imutável, duradoura, linda, rara e eterna!
- E, sob as bênçãos de Deus, será! Agora guarde-as, pois Taís deve logo descer! Disse sua Sogra.
Assim que Carlos devolveu as alianças no bolso de sua jaqueta, viu Taís descendo as escadas. Aquele seria um momento eterno e etéreo em sua vida, pois no auge de seus 19 anos, aquela que Carlos havia escolhido para ser a mãe de seus filhos estava deslumbrante. De salto alto bege, calça jeans branca e uma blusinha rosé, com um conjunto de brincos, pulseira e colar bem delicados, Taís havia ficado ainda mais bonita.
Carlos percebeu que Taís havia feito os cabelos e maquiagem bem sutil em algum salão, o que indicava que ela também desconfiava que algo importante aconteceria naquela noite quente de verão.
Quando ela se aproximou para lhe dar um “selinho”, sentiu o cheiro maravilhoso de seu perfume, o qual tinha o frescor da primavera.
Após mais alguns instantes de conversa, o casal se despediu e rumou ao Opala.
- Estou curiosa para saber onde vamos, Amor! – Disse Taís.
- Vamos ao restaurante do Vale, querida!
- Nossa, mas lá é caro!
- Sim, mas valerá a pena pela vista que teremos de nossa cidade!
Assim que pegaram a estrada, Taís segurou a mão esquerda de Carlos, que pensava se o restaurante realmente havia deixado tudo certo. Ele havia alugado o jardim do lugar, pedido que o iluminassem com muitas luzes quentes e preparassem um jantar memorável, com lagostas, massas e um champagne Mumm. Entre o prato principal e a sobremesa, se ajoelharia e a pediria em casamento, para que se tornassem um só, sob os olhos de Deus.
Mas logo que começaram a subir a serra rumo ao restaurante, Carlos precisou reduzir a velocidade e redobrar a atenção, pois uma neblina tomou conta de tudo.
Taís soltou sua mão e disse:
- Tenha cuidado, Amor.
Quando Carlos percebeu uma caminhonete com todas as luzes apagadas, já era tarde para desviar.
O som dos pneus cantando, da lataria amassando e dos vidros estourando, além dos gritos de dor de Taís, foi tudo o que ele conseguiu ouvir antes de desmaiar.
Ao acordar, sobre o asfalto, percebeu que havia muito sangue escorrendo por seus olhos e ninguém por perto.
Aguça sua audição e consegue ouvir, não muito distante dali, os murmúrios agonizantes de Taís.
Cambaleando, ele consegue alcançar o amor de sua vida, que pede:
- Me abrace e me beije, querido, só por um tempo.
Assim que Taís fecha os olhos e desfalece, Carlos entra em desespero e, caído no chão, reza para que possa reencontrá-la no Reino de Deus, onde não há dor, sofrimento e o tempo será sempre agradável, como numa plantação de trigo maduro sob o pôr do Sol.
Naquele momento, Carlos descobre o sentido da vida, dá aquele que seria o último beijo em Tais nesse quando e nesse onde e vai ao seu encontro.