Todo psicopata que se preze precisa fazer uma pesquisa profunda sobre os hábitos e fraquezas das suas potenciais vítimas. Isso é necessário para saber se são, de fato, vítimas.
Márcia era muito boa nisso, apenas usando a internet, assim como você e eu fazemos todos os dias. Nada de ataques hacker ou coisa que o valha. Simplesmente acessando as redes sociais e o Google.
Seus alvos prediletos eram os idosos bem de vida, não porque eram ricos ou velhos, mas sim porque tinham os meios e o hábito de sair com mulheres mais novas e "com tudo em cima", exatamente como ela.
Seu cabelo era de um louro reluzente, cortado igual ao da Coco Chanel, fato que a deixava bastante atraente aos olhos dos homens. Principalmente quando usava seu vestido vermelho de seda, que valorizava sobremaneira suas curvas.
A vítima da vez era João Arnaldo, um ex-procurador da República de 89 anos. Ele já não conseguia chegar às vias de fato desde os 75, mas seguia tentando, apenas para não ter que admitir para si mesmo, que nem mesmo as milagrosas pílulas de Viagra poderiam ajudá-lo.
— O que você acha desse aqui, hein Borboleta? - Indagou para sua gata persa, como sempre fazia.
Se houvesse um miado após a escolha da vítima, Márcia prosseguia com o plano.
Borboleta miou. Era preciso agir.
Geralmente usava o Tinder para ter um primeiro contato com suas vítimas, mas João era velho demais para isso, então pegou o seu iPhone e mandou uma mensagem para o Messenger do outrora todo-poderoso Procurador da República que havia aberto um processo contra o então Presidente Collor.
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Vinte dias depois
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João Arnaldo estava exultante. Desde que sua querida Clarinha havia falecido, em 1997, que não se apaixonava por alguém.
Aquele encontro com Márcia precisava ser especial pois, além de ser o primeiro dos dois, tinha que causar impacto. Afinal, ele estava apaixonado e não conseguia mais imaginar sua vida sem o "bom dia, Gatinho” que ela lhe mandava todas as manhãs.
Eles começaram a se falar não tinha nem um mês, mas parecia que se conheciam há anos! "Deve ser coisa de outra vida”, afirmou para Epaminondas, seu motorista.
“Epa”, como o patrão lhe chamava, não estava gostando muito daquela história toda, mas não achava meios para alertar o homem que considerava como um irmão.
Apesar de a recíproca ser verdadeira e eles serem bem próximos há 35 anos, nunca era fácil quebrar o encanto de um homem apaixonado.
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Quatrocentos quilómetros depois
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— Epa, como estou? Essas viagens longas já não me cabem mais... Minha coluna está reclamando de ter que vir de Vila Verde até aqui.
— O Dr. está bem... Seu cabelo nem saiu do lugar! Tome sua bengala e vá fazer o que veio fazer!
— Cadê meu revólver?
— Está no porta-luvas. Quer que eu o pegue?
— Não... Ele não terá qualquer utilidade nesta tarde. E, de mais a mais, se tudo der certo pretendo tirar as calças e a Marcinha pode se assustar... Preciso mesmo é dos meus losangos azuis Niágara.
— Já estão no seu bolso direito, Dr... Mas cuidado! Tenho um amigo que morreu de infarto após tomar Viagra.
— Vira essa boca pra lá, Epa! Ninguém aqui vai morrer... Não ao menos por hoje. Hoje é dia de festa.
Terminando seu discurso de autoafirmação, João virou-se e – sem se despedir de Epa - caminhou até o interfone. Quando Márcia o atendeu após o que lhe pareceu ser um tempo muito longo, subiu as escadas do pequeno prédio de dois andares mastigando logo três comprimidos de "comprimidos de felicidade", afinal falhar nesta tarde não era uma opção.
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Fortes emoções
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Assim que Márcia abriu a porta, João teve a certeza de que não havia sido enganado. Aquela Deusa da internet realmente existia e era deslumbrante. Sua "comissão de frente” era esplendorosa e seu humor, contagiante.
— Entra, Gatinho! Você quer café, água ou suco?
— Quero você, minha Vida!
— Nossa, não venha com tanta sede ao pote, afinal temos toda a vida pela frente!
— Toda a vida?
— Sim... Não pretendo deixar você escapar! Hoje em dia está muito difícil arrumar um homem com suas qualidades e valores!
— Digo o mesmo... as mulheres não querem mais compromisso.
— A não ser que você não me queira!
— Eu quero. E muito!
Ao ouvir isso, Márcia - que estava coando um café enquanto João admirava as suas plantas na varanda - se aproximou por trás e começou a tirar-lhe o paletó.
No momento em que João virou os braços para trás no intuito de facilitar a retirada da peça, Márcia lhe apunhalou cinco vezes com a baioneta que um dia estivera na Segunda Guerra com seu bisavô.
João sangrou muito, mas não emitiu um som sequer, enquanto a vida lhe escapava.
— Vou chamá-lo de “Afoito” em meu diário da morte, Gatinho.
Mas Dr. João, que já fora chamado de “O Homem mais importante da República” pela imprensa, não ouviu. O brilho dos seus olhos já havia sumido.
Enquanto admirava o cadáver de sua nova vítima, Márcia sentiu cheiro de café, então voltou para a cozinha. Lá encontrou com Borboleta, que ronronava incessantemente.
— Desculpa, filha. Mas dessa vez tive que agir antes mesmo de você poder se entrelaçar nas pernas dele!
— Miaaaaaaaaaaauuuuuuuuuuuu
—Não faz assim, Borboleta! Mamãe fica triste! Juro que antes de dar um jeito no corpo, te deixo lamber a poça de sangue!