• Conto: Tango e a gangue

    3207 Jornal A Bigorna 29/01/2018 07:04:00

    Eles eram violentos. Uma gangue!

    Uma perversa gangue de anões.

    A gangue estava aterrorizando uma pacata favela nos arreadores da cidade. Um grupo de homens e senhoras simples vieram ao meu escritório.

    Eles confiam em mim.

    Sou famoso e destemido.

    Como só tinha um sofá para duas pessoas, os demais ficaram em pé. Pedi café para os visitantes no Bar do Português e a atendente os trouxe; junto à conta. Insensíveis.

    Sou um homem de brio. Pago minhas contas. Assim que atendesse os benevolentes moradores, sem dúvida, passaria no boteco do Português. Ele iria me engolir.

    Sou um cara sensato.

    Por mais de duas horas ouvi atentamente àqueles moradores desprovidos de segurança e à mercê de bandidos. Anões, mas eram bandidos. Ao todo, segundo dona Serafina dos Santos Anjo do Senhor – sim esse era seu nome -; a gangue estava extorquindo os pobres trabalhadores que saíam de suas casas de madrugada para ganhar o ‘pão de cada dia’.

    Fiquei possesso.

    Com ódio.

    Aquilo não passaria em branco.

    Depois de tanto tempo ouvindo-os,  minhas entranhas se remoíam. Não de raiva, mas porque precisava defecar.

    O preço?

    Nada.

    Sou um cara altruísta.

    Após ouvi-los, abruptamente, me levantei. Porque mais um segundo, iria cagar nas calças. Depois que saíram corri até o banheiro.

    Olhei do lado. Não havia papel higiênico. Minha sorte era que o jornal de ontem estava em minha mesa. Corri rumo à salvação.

    Momento depois, já aliviado daquilo que me incomodava, peguei o endereço que havia anotado, e procurei no Google o local dos canalhas.

    Dei um suculento pedaço de queijo ao ‘Bandit’, meu novo ratinho de estimação. O outro fora um canalha. Abandonou-me e fugiu.

    Depois de relaxado fui até o Português com cara de ‘quem não gostou’. Ele me fitou rapidamente e se virou. Deu-me às costas como se eu fosse um ‘zé-ninguém’. Não sou um ‘zé-qualquer’. Sou um detetive particular.

    Esperei mais algum tempo. A atendente veio com uma cara chateada, dizendo que não haveria fiado enquanto eu não pagasse a conta. Redargui a jovem que eram apenas três meses de atraso. Não teve jeito. Liguei para mamãe e disse para que passasse pagar aquele ser desumano.

    Saí às pressas. Tinha um compromisso inadiável. Pagar a energia elétrica,  antes que a cortassem.

    Voltei ao escritório e fiz algumas ligações. Tinha amigos infalíveis. Falei com o Zé Pequeno, o Tabuada e o Ricochete. Todos disseram que não iriam me ajudar a acabar com aquela gangue. Segundo eles, a gangue era violenta e controlava tudo no lado podre da cidade. A morte era o lema dos canalhas.

    Bando de ‘bundões’.

    Sou uma pessoa de palavra. À noite teria que subir o Morro.

    Era matar ou morrer. Apesar de ter apenas minha pequena ‘catarina’ – meu revólver inseparável, eu iria resolver o assunto. Digo para vocês: Tenho palavra.

    Fiquei no escritório jogando ‘paciência’ até às três da manhã. Peguei um Uber, que me deixou na entrada e se negou a subir o morro. Porcaria. Mais um bundão.

    A subida era íngreme, mas sou um cara que não desiste. Ao chegar ao alto, notei um bar aberto e várias anãs dançando. 

    O letreiro mostrava: ‘Bar dos Anões’.

    Preparei a ‘catarina’, pensei no Rambo e fui em direção ao boteco. Estava com a garganta seca. Não tinha tomado nenhuma naquele dia, pois precisava estar sóbrio no momento crucial. Apenas mandei um whatsapp pro Herculano dizendo que estaria numa missão, e, caso eu não voltasse, que, pelo menos, dissesse à mamãe que a amava. Não liguei para ela. Mamãe não pode passar nervos.

    Quando cheguei à porta do estabelecimento o forró corria solto em plena segunda-feira. Havia mais anãs do que anões. Todos eles empunhavam um AK-47. Calculei. Pelo menos dois deles eu derrubaria; depois viraria um papel todo furado de balas.

    Um dos anões veio até mim e estendeu a mão.

    “Seja bem-vindo. Não é sempre que alguém que não é anão nos faz uma visita.”

    Fiquei emocionado com a recepção calorosa.

    O anão bramiu:

    “Pessoal, temos visita. A bebida dele é por conta da casa”.

    Confesso que fiquei mais do que emocionado. Olhei o relógio. Passavam das quatro da madrugada. Sentei numa mesa reservada somente para convidados.

    O papo rolou solto. Um liame de amizade surgiu entre nós.

    Bebemos até o sol raiar.

    Quando estávamos saindo, o anão, que parecia ser o chefe veio até mim e me deu um acalorado abraço, dizendo para que sempre voltasse; ‘a casa era sua’, me disse. Depois enfiou a mão no bolso e meu deu uma imagem de Santo Antão.

    Saí de lá. Peguei o busão e cheguei em casa pouco depois das nove. Deitei e dormi o sono dos justos.

    Fiz minha parte como combinado ao ir ao local que as pessoas me indicaram. Serei grato a eles a vida toda. Sou amistoso e gosto de amizades. Ainda mais se forem de anões.

    Tango, Afrânio Tango, detetive particular.

    Por André Guazzelli

     

     

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