A menina Araceli, de oito anos, saiu da escola em uma sexta-feira, em Vitória (ES), mas nunca chegou em casa. Araceli foi sequestrada, torturada, estuprada e morta. Seu corpo foi encontrado seis dias depois.
Para quem não conhece o caso, pode até imaginar que seja recente. Mas ele ocorreu 50 anos atrás e ninguém nunca foi condenado. 18 de maio, dia de seu desaparecimento, foi estabelecido como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, para conscientização e mobilização sobre o tema. Meio século após a morte de Araceli, as crianças e os adolescentes brasileiros ainda estão muito vulneráveis a abusos sexuais.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, a cada dez estupros registrados, seis foram contra menores de 13 anos, a maioria meninas. Estamos falando de 40 mil estupros contra crianças: são quatro por hora. Além disso, estima-se que apenas 10% dos casos sejam denunciados.
Os números alarmantes elevam a preocupação de pais e responsáveis em como proteger suas crianças de estranhos. Afinal, a casa é o ambiente mais seguro para nossas crianças, certo? Infelizmente, os números mostram o contrário.
O perfil do abusador não é o de um tarado, um monstro que fica no ponto de ônibus buscando a próxima vítima. O abusador padrão é aquele tio querido de todos, ou pai, padrasto, primo, vizinho. Mais de 80% dos abusadores são conhecidos da vítima e estão no círculo familiar e 76% dos casos ocorrem dentro de casa.
Além de fortalecer as instituições que prestam assistência às crianças e suas famílias, precisamos urgentemente investir em ações de prevenção.
Para milhares de crianças cujas casas não são o ambiente mais seguro, a escola deve ser um espaço de acolhimento e informação. Mas, às vésperas de mais um 18 de maio, parece que estamos andando para trás. O Acre, por exemplo, acaba de vetar a lei que promove educação sexual em escolas.
O combate ao abuso sexual infantil só é completo se envolver noções de conhecimento corporal e consentimento, ensinar as crianças a diferenciar carinho de toques abusivos, e ninguém pode tocar seu corpo e partes íntimas sem sua permissão. A educação sexual vai muito além da abordagem reprodutiva e da sexualidade. Quando as crianças reconhecerem o que é violência sexual, elas vão saber buscar apoio se precisarem.
Não é preciso reinventar a roda. Existem exemplos de abordagens e recursos, apropriados para cada faixa etária, para tratar sobre o tema em casa e nas escolas. Tirar as crianças da ignorância é o caminho para evitar abusos e mudar as manchetes que estamos cansados de ler.
*Por Priscilla Bacalhau