Uma ironia das políticas públicas brasileiras está no contraste entre aquilo que gastamos com os pobres e o que efetivamente se investe neles. O orçamento destinado a programas sociais, transferências de renda e benefícios assistenciais não é baixo. Contudo, o que a realidade mostra é que não estamos conseguindo transformar o gasto em investimento sustentável para melhorar as condições de vida da população. Em outras palavras, não gastamos pouco para mitigar a pobreza, mas investimos pouco para superá-la de forma estrutural.
O Bolsa Família é um dos programas de transferência de renda mais bem-sucedidos do mundo em termos de redução da pobreza imediata. Ele é essencial e indiscutivelmente necessário. No entanto, quando olhamos com cuidado para o orçamento, notamos que o Brasil não prioriza gastos que gerem mobilidade social. Os recursos são insuficientes ou mal alocados em áreas como educação de qualidade, formação técnica, saúde preventiva e infraestrutura básica nos territórios mais vulneráveis.
A imagem mostra uma densa área urbana, com muitas casas empilhadas em uma colina. As construções são predominantemente de tijolos e têm telhados de diferentes cores, incluindo azul e marrom. A vegetação verde está presente ao redor das casas, contrastando com a estrutura urbana.
No caso da educação, tem-se que a escola pública brasileira está sendo incapaz de preparar os alunos para competir de forma justa no mercado de trabalho. As periféricas não têm apenas falta de recursos, mas contam também com professores e alunos desmotivados, além de infraestrutura precária. Hoje, as oportunidades de conexão entre a educação dos desfavorecidos e a empregabilidade são baixas. Como resultado, tem-se uma juventude que conclui as etapas de formação com pouca qualificação e perspectivas.
Na saúde, o cenário é parecido. Gastamos consideráveis recursos com tratamentos emergenciais e internações hospitalares, mas pouco com prevenção. Em muitas favelas, faltam postos de saúde, campanhas educativas e acesso a cuidados básicos. Desse modo, problemas de saúde que poderiam ser facilmente evitados se tornam crônicos e caros não só para o sistema mas também para o indivíduo.
O saneamento básico representa outra forma de melhorar as chances de mobilidade social dos pobres. Sua ausência expõe as pessoas a doenças que prejudicam a capacidade de trabalhar e estudar. De forma semelhante, a falta de infraestrutura, como um melhor transporte público e o acesso à energia e à internet, limita o acesso a empregos, mercados e oportunidades de aprendizado.
Além disso, tem-se que o gasto público precisa ser avaliado não apenas por sua magnitude mas por sua capacidade de transformar vidas. Isso requer uma gestão pública mais técnica e menos sujeita a interesses políticos. Os recursos devem ser aplicados de maneira integrada e focalizada nos indivíduos desfavorecidos para reduzir o impacto de fatores negativos que estão fora de seu controle e que limitam suas chances de atingir seu potencial.
Quando não tiramos o pobre de forma estrutural da pobreza, na próxima geração temos a permanência de uma massa de gente dependente do Estado. Isso é um grande gasto. É um gasto porque não gera o retorno para a sociedade de incluir os pobres produtivamente na economia, e não oferecemos a eles uma oportunidade para contribuir com a prosperidade coletiva.,
*Por Michael França
Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford