O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prestou depoimento quarta-feira (12) à Polícia Federal, em Brasília, sobre um suposto plano golpista relatado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES), atualmente em licença.
Bolsonaro confirmou que se reuniu com Do Val, mas negou manter vínculos com o senador e ter participado do suposto plano para gravar o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo ele, a reunião aconteceu em dezembro do ano passado, no Palácio da Alvorada.
Bolsonaro chegou por volta das 13h40 e entrou pela garagem nos fundos do prédio, sem falar com a imprensa. Segundo Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência, o depoimento durou aproximadamente 35 minutos.
"Nada foi tratado [na reunião], não tinha nenhum plano, naquela reunião de aproximadamente 20 minutos, para alguém gravar o ministro Alexandre de Moraes. Por que eu ia articular alguma coisa com o senador? O que tratou a reunião? Nada", disse Bolsonaro após o depoimento em conversa com jornalistas.
Este foi o quarto depoimento, pelo menos, prestado pelo ex-mandatário desde que ele deixou o Palácio do Planalto.
"Esse é mais um depoimento e muitos outros terão. Parece algo programado para constranger, e não é a Polícia Federal", disse.
"Nada aconteceu no dia 8 de dezembro [data da reunião], até porque eu não tinha nenhum vínculo com o senhor Marcos Do Val. Que eu me lembre, nunca estive em reunião com ele, nunca o recebi em audiência, a não ser, talvez, uma fotografia, que é muito comum acontecer entre nós", afirmou Bolsonaro.
Questionado sobre o que foi tratado, o ex-presidente disse que o que "tirou" do encontro foi que "o Daniel Silveira queria que o Marcos do Val falasse alguma coisa, [mas] ele também não falou nada".
A reunião foi marcada, segundo Bolsonaro, porque "existia um namoro naquele momento" para filiar senadores para o PL. Ele afirmou que sequer foi mencionado o nome do ministro Alexandre de Moraes.
Após a reunião, Do Val mandou uma mensagem a Moraes afirmando que Silveira estaria "fazendo toda uma movimentação para levá-lo [Moraes] à perda de função de ministro e até ser preso".
"O PR [presidente da República] não está fazendo nenhum movimento neste sentido. O DS [Daniel Silveira] que está tentando convencê-lo", disse o senador.
Ele gravou a tela com a mensagem e a encaminhou a Bolsonaro, que respondeu: "Coisa de maluco".
Indagado se não pensou em denunciar Do Val, Bolsonaro disse após o depoimento: "Isso é coisa de maluco, não vou denunciar ninguém".
O termo do depoimento que Bolsonaro prestou à PF diz que ele respondeu aos delegados Raphael Astini, Alexandre Camões e Vinícius Barancelli que "desconhece que o senador Marcos do Val teria sido recrutado por Daniel Silveira, mas que ouvia de Daniel Silveira que o senador teria algo para mexer com a República".
O plano golpista relatado por Do Val foi detalhado em uma série de mensagens atribuídas a Daniel Silveira. As mensagens foram reveladas pela revista Veja. A Folha obteve cópia de uma delas.
Segundo o senador, esse plano seria executado em dezembro passado e consistiria em gravar Moraes sem autorização e, depois, impedir a posse do hoje presidente Lula (PT).
Em linhas gerais, a proposta apresentada a Do Val envolveria gravar alguma conversa que comprometesse Moraes, que é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O senador tinha contato com o ministro dos tempos de atuação na área da segurança pública.
Segundo a tese golpista, a revelação desses áudios levaria a uma tempestade perfeita para eles: Moraes seria preso, Bolsonaro seguiria no cargo e Lula não tomaria posse em 1º de janeiro.
As falas de Do Val foram mais um ingrediente nas investigações que apuram a participação do ex-presidente no plano golpista que terminou nos ataques aos prédios de STF, Planalto e Congresso em 8 de janeiro.
Nesta quarta, Bolsonaro contemporizou os ataques golpistas de 8 de janeiro. "Hoje em dia tem quase 300 pessoas presas em Brasília? Qual a acusação? Não existe terrorismo ou tomada de poder. Que é isso? Num domingo? Se toma poder num domingo? Você tem que mirar a cadeira ocupada", afirmou.
"As pessoas orando, sem uma arma, sem um canivete. Parece que criaram a figura do golpe e agora estão tentando construir algo para dar credibilidade e sustentação a esse hipotético e fantasioso golpe de 8 de janeiro", disse Bolsonaro.
Em fevereiro, Do Val deu versões diferentes sobre a reunião com Bolsonaro.
Primeiro, em uma live durante a madrugada, disse que o ex-presidente tentou coagi-lo a dar um golpe para seguir no Palácio do Planalto e impedir a posse de Lula.
"Eu ficava puto quando me chamavam de bolsonarista. Vocês me esperem que vou soltar uma bomba. Sexta-feira vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele, só para vocês terem ideia. E é logico que eu denunciei", disse o senador na ocasião.
Horas depois, questionado pela Folha, o senador recuou na acusação direta e disse que Bolsonaro "só ouviu" o plano de Daniel Silveira e afirmou que iria pensar a respeito.
Alexandre de Moraes determinou em fevereiro a abertura de investigação contra Do Val para apurar suspeita da prática dos crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação.
Em junho, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do senador. A operação foi autorizada por Moraes, que ordenou ainda o bloqueio de suas redes sociais.
Um dia antes, Do Val havia afirmado no Twitter que as ações de Moraes são inconstitucionais.
"Seguindo o que determina a Constituição que cabe aos senadores fiscalizar, afastar e até impeachmar [sic] ministros do STF. É notório em todos os meios jurídicos e entre e entre os magistrados, por todo o Brasil, as ações anticonstitucionais do ministro Alexandre de Moraes", escreveu.
As buscas foram realizadas em endereços do senador em Brasília e Vitória, além do gabinete no Senado Federal.
Ao pedir a investigação, Moraes disse que Do Val, ouvido como testemunha pela Polícia Federal a respeito do caso, apresentou "uma quarta versão dos fatos por ele divulgados, todas entre si antagônicas, de modo que se verifica a pertinência e necessidade de diligências para o seu completo esclarecimento".
À GloboNews o senador negou que tenha contado mais de uma versão sobre o caso.
"Quando ele me incluiu lá atrás no relatório com o argumento de que eu dei várias versões, mas eu dei apenas uma versão na Polícia Federal e disse para todos. A versão dos fatos e a verdade absoluta está no depoimento que eu dei naquela época em fevereiro", afirmou Do Val no mês passado.(Da Folha de SP)