É inacreditável a petulância dos traficantes. Mas nem tanto pelo simples aumento do tráfico de drogas no mar brasileiro, afinal, como vimos falando há muito tempo, o litoral está ao deus-dará. Não há praticamente barreiras para quase nada neste importante espaço. Antes que você reaja dizendo que ao menos estes foram presos, deixe-me lembrá-lo que a operação que prendeu um rebocador em alto-mar em 29 de abril de 2022, com cerca de uma tonelada de cocaína, teve apoio do DEA-Drug Enforcement Administration, dos Estados Unidos e, provavelmente em razão desta ‘ajuda’, a operação ainda contou com efetivos da Polícia Federal, Ministério da Defesa, Marinha do Brasil, e Força Aérea Brasileira. Sete pessoas foram presas.
Em 2017, um grupo de velejadores patrícios, inocentes, fazia o ‘delivery’ de um barco para a Europa quando todos foram presos em Cabo Verde ao terem seu veleiro revistado.
Foram encontradas pouco mais de uma tonelada de cocaína engenhosamente escondidas num compartimento secreto (desconhecido pelos brasileiros) nos porões da embarcação.
Depois de investigações já comentadas neste site, os brasileiros foram inocentados pela Polícia Federal. Mesmo assim, amargaram um ano e meio de prisão em Cabo Verde. Só foram liberados pela intervenção do então presidente Michel Temer.
Torna-se comum traficar com uso de veleiros
Em 2021, em nova operação com ajuda internacional, a Polícia Federal interceptou um catamarã a 270 km da costa do Recife, carregado com pouco mais de uma tonelada de cocaína.
Mais uma vez, ‘a operação da Marinha com a Polícia Federal teve uma inédita cooperação internacional, de acordo com o Ministério da Defesa – envolveu agências do Reino Unido, de Portugal e dos Estados Unidos’, segundo informou o Jornal Nacional à época.
“A Polícia Federal tem um órgão central, um grupo especial ligado exatamente com essa questão da cooperação internacional em tráfico de drogas.”
“Esse grupo recebeu informações de um organismo internacional, uma agência internacional de informações de cooperação multilateral sediada em Lisboa, Portugal.”
“Essas informações davam conta de que um veleiro estaria em mar territorial brasileiro aguardando para transportar cocaína para a Europa, e era uma grande quantidade. Nós pedimos apoio e, prontamente, a Marinha prestou esse apoio e disponibilizou para a operação um navio que estava ancorado em Natal.”
Mais uma vez, melhor assim.
Isso reforça a necessidade de uma vigilância constante das águas brasileiras, nossa Amazônia Azul. E reforça a importância do aprimoramento do sistema de monitoramento da Amazônia Azul
Portos brasileiros e a cocaína produzida na América do Sul
Ela é produzida geralmente do outro lado dos Andes (Lado do Pacífico), ao longo de vários países sul-americanos. Entre os produtores, e o mercado consumidor da Europa, ficam os portos brasileiros.
Eles desenvolvem papel importante nesta conhecida rota. Segundo o portal UOL ‘só no ano de 2016 a Receita Federal e a Polícia Federal encontraram e apreenderam 15 toneladas da droga em contêineres. A quantia é nove vezes maior do que o que foi apreendido nos principais aeroportos do País’.
Ainda neste ano de 2019, dois mafiosos italianos foram presos no litoral de São Paulo suspeitos de comandar boa parte desse comércio ilegal. E, segundo a Polícia Federal, só no primeiro semestre de 2019 foram apreendidas 25,3 toneladas de cocaína no território nacional.
Manaus e apreensão de maconha e cocaína
Voltando para este 2022, em janeiro três pessoas foram presas em flagrante com cerca de 80 quilos de drogas, entre maconha e cocaína, apreendidas por agentes da Polícia Federal em uma embarcação de nome ‘Barão do Juruá’, em Manaus.
Isto prova mais uma vez o papel estratégico dos portos brasileiros e, em consequência, do nosso mar territorial, em geral ao deus-dará assim como toda a faixa do litoral.
Drogas colocadas no caso de navios
A petulância, ousadia, e criatividade dos traficantes não têm limites. Recentemente os órgãos de repressão descobriram outro modo, mais camuflado, de enviar cocaína em navios.
Em 2021, no Espírito Santo, foi identificado um estrangeiro que seria o principal responsável pela fixação de uma grande carga de cocaína, de 890 quilos, em cascos de navios fundeados na Baía de Vitória.
Virou moda em minutos. E novas apreensões foram feitas em vários portos brasileiros. Os traficantes mergulham e colocam a droga numa espécie de ralo dos cascos dos grandes navios, usados para sugar a água do mar e resfriar os motores dos ‘monstros de ferro’.
É muita ousadia, concorda? Traficantes também já foram presos usando até mesmo submarinos levando drogas com ‘maior segurança’ em mais uma prova de que aumenta o tráfico de drogas no mar brasileiro.
O problema do tráfico que aumenta no mar brasileiro
O grande busílis é que o que foi apreendido até hoje é a parte menor, talvez apenas a ponta do iceberg. No Brasil isto acontece pelo pouco caso que sempre se deu ao litoral e ao mar territorial brasileiro.
Uma das evidências é a imensa quantidade de assaltos a barcos privados no Brasil sem que nada, rigorosamente, nada aconteça. A situação fica cada vez pior. Devido à notória inação das autoridades, agora os bandidos não apenas assaltam, mas espancam suas vítimas.
No Rio de Janeiro é ainda pior. Pelo menos seis barcos foram roubados dentro do Clube de Regatas Guanabara. E nem o rio São Francisco escapou de roubos em 2015.
O Maranhão é outro estado que se notabiliza pelos assaltos, especialmente aos estrangeiros. Em 2015, Ronald François Wolbeck, de 60 anos, foi alvejado por um tiro no peito dentro de seu veleiro. O infeliz tinha arribado em São Luis para comemorar o Valentine’s Day com sua namorada. Triste escolha…
Outro que teve sua vida gloriosa encerrada ao escolher o Brasil como ponto de parada para seu veleiro foi o maior velejador do mundo à época, duas vezes campeão da regata America’s Cup, e embaixador da ONU para o Meio Ambiente, Sir Peter Blake, assassinado em águas do Amapá em 2001.
Este, pela brutal repercussão internacional, foi dos poucos casos esclarecidos.
Motivos que levam aos assaltos a barcos no Brasil
A total e absoluta impunidade. A muito custo descobrirmos que a responsabilidade pelos assaltos a barcos não é a polícia civil, muito menos a Marinha do Brasil que até hoje não conseguiu ter recursos para uma guarda-costeira.
A pobreza da Polícia federal em guardar nossa ‘fronteira molhada’
Recentemente o depauperamento da PF tornou-se público. ”O presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal, Flávio Werneck, afirmou que a situação é grave. Segundo ele, são apenas 150 policiais para o controle de nove mil quilômetros de fronteira marítima.”
Apenas 150 policiais para 9 mil km de costa! E dezenas de portos para serem fiscalizados e policiados. Outras fontes, como o artigo de Ubiratan Antunes Sanderson, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul, citam ‘míseros 200 homens para monitorar a linha que vai do Chuí (RS) ao Oiapoque (RR)’.
Como conseguir sucesso sem ajuda da DEA, ou da agência britânica NCA (National crime Agency); ou ainda de outros países como foi o caso do veleiro apreendido em Mindelo?
Crack se apodera das comunidades pesqueiras litoral afora
Enquanto aumenta a pobreza da Polícia Federal, o crack se instala nas comunidades nativas da costa brasileira como já flagramos, filmamos e comentamos, sem que tal fato tenha tido qualquer serventia para o poder público.
A boa nova foi a chegada da luz. Hoje há computadores nas comunidades de pesca mais pobres. A má notícia é que o crack também chegou. Acervo MSF.
Mais uma vez, não há políticas públicas para fazer frente a este flagelo no litoral do País. Na última série da TV Cultura vi o crack se espalhando por quase todas as comunidades do Maranhão, Pará, e Amapá, mas não apenas. E nada acontece além do torpor da própria droga.
A pesca em alto-mar e as frotas ilegais chinesas
E o que dizer das frotas ilegais de pesca chinesas que agora se voltam à América do Sul depois de depredarem os litorais africanos?
No momento em que escrevemos este post, dezenas de pesqueiros chineses devem estar dentro das 200 milhas da ZEE brasileira, se fartando de pescar atuns e outras espécies. Apenas não ficamos sabendo por que atuns não têm o apelo de cocaína e congêneres, e não recebemos informações ou apoio de ninguém.
De vez em quando um pesqueiro brasileiro encontra um destes infernos-no-mar, que são os navios de pesca da China. E são abalroados pelos infratores no oceano sem lei, porque eles sabem que nosso litoral e mar territorial estão ao deus-dará.
No litoral, em terra firme, impera a lei do mais forte. No caso, a especulação imobiliária que desrespeita impunemente todas as leis ambientais nacionais. Porque sabem do deus-dará. E, no mar territorial, impera também a lei do mais forte pelo mesmo motivo, no caso as frotas ilegais chinesas.
Repressão só mesmo no caso da cocaína, quando recebemos informações de agências internacionais. O Mar Sem Fim aproveita a efeméride que demonstra o tanto que aumenta o tráfico de drogas no mar, para lembrar pela enésima vez, que devemos ter mais ação e fiscalização no mar territorial e no litoral.(Fonte:Site: Marsemfim)