• Assassinato no carnaval

    4799 Jornal A Bigorna 21/02/2023 20:00:00

    1919.

    A gripe espanhola havia deixado seu rastro pelo mundo com mais de 50 milhões de mortos. No Brasil, ela foi esmagadora. O cenário era aterrador. Morrer sem ter condições de um mínimo de esperança para ser curado; o destino é cruel, sangrento e nefasto.

    Pessoas periclitavam por aqui e acolá; muitos havia perdido suas famílias inteiras. Um cenário desastroso, surreal, tenebroso.

    Mas quando o ano de 1918 terminou, aqueles que sobreviveram já haviam criado imunidade contra a doença, e, aos poucos, os casos foram diminuindo.

    A autoestima do povo estava em baixa. O Rio de Janeiro foi o estado que mais mortes ocorreram.

    A gripe impiedosa havia por fim deixado o Brasil mais em paz, contudo, ninguém sabia se o ‘mostro’ voltaria. Foi então que Bexiga Neves, um arretado baiano que vivia de artesanato pelas vielas principais conseguiu reunir inúmeras pessoas para voltar a comemorar a festa que havia sido extirpada.

    Eles levaram a ideia ao ex-prefeito, Rivadávia da Cunha Correia, que acreditou na ideia e conseguiu fazer com que o alcaide atual da época autorizasse o desfile. Amaro Cavalcanti não era amante de festas, mas a força política do ex-prefeito foi suficiente para que os foliões conseguissem realizar o sonho.

    Assim, foram refundadas as ‘sociedades’ nomes como eram chamados os grupos de foliões. A festa foi pouco a pouco tomando forma e, em poucos meses estava tudo pronto.

    Uma estimativa feita pelo jornal A Noite à época apontava que o Carnaval de 1919 levou cerca de 400 mil pessoas ao Centro do Rio de Janeiro.

    Foi chegada a hora de "tirar o atraso" e celebrar tudo que não havia sido possível nos anos anteriores — pelas chuvas que marcaram o Carnaval de 1916 e 1917, pela crise econômica e clima de guerra em 1918, e principalmente pela doença que tirou tantas vidas.

    No sábado o grupo ‘democráticos’ desfilava pela Rua Pitangueiras.

    Foi uma convulsão de alegrias e divertimento.

    A noite foi estonteante.

    Mas a lusco-fusco reserva surpresas.

    No dia seguinte a polícia estava em polvorosa! Logo os jornais que em suas primeiras edições que estampavam a festa com alforria foram obrigados a editar uma 2ª edição com urgência.

    Do êxtase se extrai a tragédia. Um lado sombrio que pouco se fala, forma alguns de estupros, muitas crianças desaparecidas e um crime bárbaro que assolou a sociedade.

    Neguinho da Bola Preta, o presidente do Bloco “Virados na Cadela” havia sido encontrado morto numa das vielas. Seu pescoço apresentava apenas um sinal lancinante com um corte profundo de uma navalha.

    A cidade entrou em choque. Famoso pela simplicidade, Neguinho era um dos personagens mais queridos da cidade. Assim, toda a polícia foi ao encalço do brutal assassino. Foram meses, porém, sem sucesso.

    O assassino ficou conhecido como “ Navalha.”

    O tempo passa assim como as nuvens, e aos poucos as pessoas esqueceram da festa e a vida voltou ao normal naquele ano.

    Em 1920, pouco antes de os ‘bloquinhos’ entrarem para mais uma festa de carnaval, o prefeito Pereira Bastos foi encontrado morto em seu gabinete. Uma navalha jazia em cima de sua mesa gotolejante de sangue vivo.

    “Navalha” estava de volta.

     

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    *Por André Guazzelli

     

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