No Brasil, de 2011 a 2021, houve queda de aproximadamente 69% de fumantes nas capitais, segundo dados do Vigitel, ação do Ministério da Saúde.No Brasil, de 2011 a 2021, houve queda de aproximadamente 69% de fumantes nas capitais, segundo dados do Vigitel, ação do Ministério da Saúde. Freepik.com
Fumar e beber são importantes fatores de risco para diversos problemas de saúde física e mental, incluindo doenças cardiovasculares e transtornos psiquiátricos. Embora ambos os comportamentos sejam influenciados por fatores ambientais, sociais e políticos, há evidências de que a genética também pode afetar esses comportamentos.
Em um estudo recente publicado na revista Nature, o maior já realizado sobre o assunto, um grupo internacional de cientistas encontrou quatro mil associações genéticas que têm certa influência no consumo de álcool ou tabaco, levando em conta fatores como a idade em que essas substâncias começam a ser consumidas ou em que quantidade.
Os pesquisadores analisaram os genomas de mais de três milhões de pessoas que participaram de 60 estudos nos Estados Unidos, Austrália e Europa. A imensa maioria (80%) tinha descendência europeia. Os 20% restantes, eram descendentes de africanos, norte-americanos e sul-americanos e pessoas do leste asiático.
A equipe comparou os genomas dos participantes com seus hábitos de fumar e consumo de álcool auto-relatados. Os resultados mostraram que apesar de viverem em um ambiente semelhante, as pessoas com maior predisposição genética fumam mais.
— Indivíduos nos 10% com maior predisposição genética ao tabaco fumam em média duas vezes mais cigarros por dia do que aqueles nos 10% com menor predisposição genética — diz Javier Costas, pesquisador do grupo de Genética Psiquiátrica do Instituto de Investigação em Saúde de Santiago de Compostela (IDIS).
Os pesquisadores encontraram 2.468 variantes genéticas estão ligadas ao fumo regular, definido como fumar todos os dias. Eles também vinculam outras 243 variantes a quantos cigarros uma pessoa fuma por dia, 206 variantes a uma pessoa que deixa de fumar e 39 variantes à idade em que alguém inicia o hábito.
Em relação ao consumo de álcool, a equipe identificou 849 variantes genéticas ligadas à quantidade de álcool consumida por semana.
De todas as variantes identificadas para tabagismo e consumo de álcool pelo novo estudo, algumas estão em genes envolvidos na sinalização cerebral. O consumo de álcool, por exemplo, está ligado a um gene chamado ECE2, que está envolvido no processamento da neurotensina, uma molécula que regula a sinalização da dopamina, neurotransmissor envolvido no sistema de recompensa e que pode causar dependência.
Já o número de cigarros fumados por dia está ligado a variações em um gene chamado NRTN, que influencia a sobrevivência dos neurônios que secretam dopamina.
Em um estudo semelhante de 2019, equipes de cientistas, incluindo alguns signatários do que foi publicado agora, procuraram uma correlação entre o alcoolismo, que é cerca de 49% hereditário , e outros transtornos mentais. Nesse estudo genético, eles observaram correlações entre alcoolismo e déficit de atenção, esquizofrenia ou depressão. Um dos dados que chamou a atenção dos autores foi que a sobreposição entre os genes associados ao vício do álcool e os associados ao consumo moderado não era grande.
Identificar fatores de risco biológico para tabagismo ou alcoolismo ajuda a prever, por exemplo, o número de cigarros fumados por dia por uma pessoa e se há aumento no risco de recaída entre usuários de cocaína ou agressividade.
Em outra parte do estudo, a equipe uma ferramenta de aprendizado de máquina para desenvolver uma pontuação de risco genético que poderia identificar pessoas em risco de certos comportamentos associados ao uso de álcool e tabaco. Quando aplicada em uma população composta por 6.092 pessoas de ascendência europeia que vivem nos EUA, as pontuações de risco previram muito bem o comportamento de fumar e beber.
No entanto, ao serem aplicadas em quase 4 mil pessoas que vivem na Europa, mas têm ascendência africana, do leste asiático ou norte ou sul-americana, a avaliação de risco apareceu, mas foi menos precisa.
"Ter dados mais robustos e diversificados nos ajudará a desenvolver ferramentas preditivas de fatores de risco que podem ser aplicadas a todas as populações", disse o co-autor Dajiang Liu, professor e vice-presidente de pesquisa do Departamento de Ciências da Saúde Pública da Escola de Medicina Penn State.
A expectativa é que dentro de dois a três anos, essas pontuações de risco genético façam parte do atendimento de rotina para indivíduos já identificados por triagem básica como estando em risco aumentado de uso de álcool e tabaco.
Segundo Costas, a principal limitação do trabalho publicado pela Nature nesta quarta-feira e outros semelhantes é a definição dos padrões em estudo, geralmente declarada pelos próprios participantes e muito pouco específica. Por exemplo, dois padrões muito diferentes de consumo de álcool, como beber regularmente durante as refeições ou beber garrafas semanalmente, podem resultar no mesmo número de bebidas alcoólicas consumidas por semana.
— Sabe-se também que pessoas com problemas de saúde tendem a declarar seu consumo de álcool e tabaco menor do que realmente são — explica.
E é claro que as políticas públicas também desempenham um papel. Em 2014, completaram 50 anos desde que o Surgeon General dos Estados Unidos, a mais alta autoridade de saúde naquele país, publicou um relatório sobre os efeitos do tabaco na saúde. A porcentagem de fumantes americanos caiu naquele meio século de 42% para 18%, uma mudança cultural que ajudou a evitar, segundo estimativa publicada na revista JAMA , oito milhões de mortes prematuras. Em outro trabalho publicado na mesma edição da revista, calculou-se que, entre 1980 e 2014, o percentual de fumantes no mundo havia caído de 41,2% para 31,1% entre os homens e de 10,6% para 6,2% entre as mulheres
Para o futuro, os autores afirmam a importância de ampliar as amostras estudadas e aumentar o número de descendentes não europeus para melhor refinar o peso dos genes e do ambiente no consumo de álcool e tabaco.
Consumo no Brasil
A informação sobre os malefícios do tabaco, o aumento dos preços e a proibição da publicidade e do fumo em locais públicos resultaram em uma queda drástica de fumantes nos últimos anos. No Brasil, de 2011 a 2021, houve redução de aproximadamente 32,1% no número de fumantes acima de 18 anos. É o que mostram dados do Vigitel, levantamento anual do Ministério da Saúde sobre fatores de risco e doenças crônicas.
Dados do mesmo levantamento mostram redução do consumo abusivo de álcool entre jovens de 18 a 24 anos. A taxa ficou em 19,3% entre homens e mulheres, na última edição – o índice não ficava abaixo de 20% há sete anos. A prática é definida pelo consumo de 60 gramas ou mais de álcool, o equivalente a pelo menos quatro doses, em uma única ocasião, ao menos uma vez por mês.(Do Globo)
* Por Giulia Vidale Com El País