Além da coordenação dos trabalhos da equipe de transição, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB) tem buscado construir pontes com lideranças dos meios empresarial, religioso e, especialmente, do agronegócio que se alinharam ao presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição deste ano. Nas últimas semanas, Alckmin teve conversas fechadas com representantes desses segmentos em padarias e escritórios políticos na capital paulista.
Aliados contam que o futuro vice tem atuado para tentar desmobilizar a base de apoio a Bolsonaro numa estratégia alinhada com Lula e o PT. Alguns desses encontros acontecem no quartel-general do PSB, no Jardim Paulista, onde os visitantes são recepcionados na entrada por um Alckmin de papelão em tamanho real.
Empresários que estiveram com o vice eleito pediram a ele que atue como um contraponto a Lula, a fim de aparar arestas da esquerda com o agronegócio. Eles ficaram incomodados com falas do petista na campanha a favor da revogação da reforma trabalhista do governo do Michel Temer (MDB). E advogam para que o texto permaneça o mesmo, especialmente no que se refere ao fim da contribuição sindical.
Foi assim no último dia 11, quando o ex-governador se reuniu na capital paulista com representantes da empresa Zanchetta Alimentos, uma das principais produtoras de frango do estado de São Paulo, sediada em Boituva, na região de Sorocaba. Um dos donos da empresa, José Carlos Zanchetta doou R$ 200 mil para a campanha do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), e outros R$ 100 mil para a de Bolsonaro. Após uma reunião no partido, Alckmin tomou um café com Carlos Augusto Zanchetta, diretor de operações da empresa. Na cafeteria, também separou uma cadeira para o presidente da Associação Paulista de Avicultura, Erico Pozzer, que é só elogios a Tarcísio.
Pozzer disse que vê em Alckmin um político com perfil de mediador. E ouviu do vice na ocasião que Tarcísio é “bom administrador” e aposta em estabelecer diálogo com o governador eleito. Também conta que enfatizou a importância de crédito com custo acessível ao setor e questionou a tributação sobre investimentos em equipamentos. Alckmin ouviu com atenção.
— A área de frango demanda muito investimento. Por que devemos pagar PIS e Cofins sobre equipamentos que vêm de fora ? Isso vai na contramão do desenvolvimento e da geração de empregos. Também solicitamos a Alckmin que mantenha as isenções sobre a folha de pagamento. E que olhasse para isso com carinho. — afirma Pozzer.
O empresário não deixou de lembrar que o setor emprega hoje 4, 5 milhões de trabalhadores no país, 50 mil no estado de São Paulo: —Estamos torcendo para Alckmin fazer uma intermediação para o governo não nos atrapalhar.
Alckmin também tem proximidade com Roberto Rodrigues. Tido como referência no agronegócio, ele é ex-ministro da Agricultura de Lula, embora não tenha se engajado na campanha petista.
Alckmin também considera o deputado estadual Frederico D’Avila (PL) um amigo — o parlamentar atuou em sua campanha presidencial em 2018, mas se distanciou do ex-governador e se alinhou aos bolsonaristas. Produtor rural e vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), ele reconhece que houve um “desalinhamento político” com Alckmin, mas também frisa que os caminhos distintos na política não “contaminaram” a amizade,
—Ele é muito mais palatável do que qualquer outro integrante do novo governo — afirma D’Avila.
Religião como arma
Católico fervoroso, Alckmin também tem procurado abrir diálogo com evangélicos bolsonaristas. Entre eles, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), um dos expoentes da bancada evangélica na Câmara dos Deputados e integrante da equipe de transição de Tarcísio. Na segunda-feira, o deputado, que também é pastor, teve um encontro com Alckmin em São Paulo.
Cezinha esteve na garupa de Bolsonaro na motociata Acelera para Cristo, em junho do ano passado. Ainda assim, é considerado um quadro pragmático e participou da construção da aliança do PSD, de Gilberto Kassab, com Tarcísio. Ao tratar do encontro com Alckmin, ele disse à Folha de S.Paulo que o vice eleito tem buscado uma interlocução com os evangélicos. E disse entender que Alckmin é de “direita” e “conciliador”.
O deputado é porta-voz informal do bispo Samuel Ferreira, líder de uma das maiores denominações evangélicas do país, a Assembleia de Deus de Madureira, e fez campanha aberta para Bolsonaro nas eleições deste ano.(Do Globo)