
O Sistema Único de Saúde deveria ser decretado patrimônio público. Uma verdadeira política de Estado, nascido da Constituição de 1988 e do qual nos orgulhamos, mas pelo qual ainda batalhamos e sofremos com suas limitações.
Os que estudamos sistemas de saúde há anos repetimos que o projeto do SUS está inconcluso e cronicamente subfinanciado. Existe razoável consenso entre os especialistas em políticas públicas de saúde de que algumas questões estruturais nunca foram adequadamente enfrentadas. Dentre elas, a diretriz da integralidade e da necessária articulação sistêmica das redes de cuidados.
Sem negar que ainda precisa de aprimoramentos, houve importante expansão da Atenção Primária à Saúde na maioria das regiões do país. Entretanto, quando os problemas de saúde requerem acesso a procedimentos diagnósticos ou terapêuticos e a participação de especialistas, na maior parte do país existem filas, problemas de acesso e gargalos. Essas dificuldades crescerão nos próximos anos pelo envelhecimento da população (que permite supor aumento da carga de doenças) e pelo próprio desenvolvimento da área de saúde, que necessitará de incorporação tecnológica, visto o caráter cumulativo das tecnologias de saúde.
Por isso, a proposta do programa Mais Acesso a Especialistas faz sentido. Ao custo anunciado de R$ 500 milhões, o programa introduz inovações na gestão em saúde com vistas à redução do tempo nas filas de espera e na garantia de maior agilidade no atendimento para diagnósticos e início de tratamentos no SUS. As inovações que o programa promete introduzir permitirão revisar o modelo de financiamento e a formulação de uma estratégia para reorganizar a atenção especializada no SUS, beneficiando a população como um todo.
É importante destacar que a proposta de financiar seletivamente e induzir as linhas de cuidado prioritárias é uma questão que nunca tinha sido enfrentada. Até agora, os repasses do SUS para as especialidades sempre olharam pelo espelho retrovisor e financiaram procedimentos (à moda do antigo Inamps) e não um conjunto integrado de cuidados organizados conforme protocolos cientificamente estabelecidos. Isso é relevante, pois implica superar a atual situação, na qual um usuário precisa entrar várias vezes na fila para conseguir uma atenção integral (fila para a tomografia, fila para ressonância e, depois do diagnóstico, nova fila para o acesso à quimioterapia ou cirurgia, por exemplo). A alternativa de solução para esse modelo costuma ser a de mutirões, que são esporádicos e não oferecem continuidade no cuidado.
O programa Mais Acesso a Especialistas se dispõe a aumentar o número anual de cirurgias, alinhando-as a linhas de cuidado prioritárias com foco nas especialidades de oncologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia. A prioridade dessas linhas de cuidado ou dos procedimentos será refletida na remuneração dos procedimentos.
Para monitorar e corrigir o rumo das ações em tempo real também está sendo proposta a criação de um conselho do Mais Acesso a Especialistas. A intenção é garantir assessoramento, monitoramento e avaliação do andamento das ações propostas e implementadas. Esse conselho incluiria gestores municipais e estaduais, além de especialistas e universidades, constituindo um marco para a transparência das ações —será vital para a continuidade do programa e para a adesão de estados e municípios.
O povo brasileiro merece acesso integral aos cuidados em saúde, e o SUS precisa ser implantado conforme as promessas constitucionais.(Da Folha de SP)
Rosana Onocko-Campos
Professora associada da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Gastão Wagner Sousa Campos
Professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Alzira Jorge
Professora associada da Faculdade de Medicina da UFMG
Ana Maria Malik
Professora titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV