Uma operação da Corregedoria da Polícia Militar (PM) de São Paulo levou à cadeia nada menos do que 15 homens da tropa e expôs a perigosa infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) na corporação. Entre os presos está o cabo Dênis Antônio Martins, apontado nas investigações como um dos autores do assassinato de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, delator do PCC, em novembro passado na área de desembarque do Aeroporto de Guarulhos, à luz do dia. A suspeita é de que o cabo tenha agido a mando do PCC, num caso que mostra a extensão da contaminação do crime organizado na estrutura estatal paulista – seja nos transportes, na política e, agora, na polícia.
As investigações do elo da PM com o PCC, porém, começaram bem antes da morte de Gritzbach. Em março de 2024, uma denúncia anônima indicou a existência de conluio entre policiais militares e membros do PCC, com vazamento de informações de investigações para ajudar o grupo a despistar as autoridades e a evitar prejuízos financeiros.
Esses capangas do crime organizado atuavam em diversos batalhões e também nas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), a temida tropa de elite da corporação paulista. Dois dos envolvidos nesse esquema ainda integravam a escolta informal e ilegal de Gritzbach, que incluia tenentes. A Corregedoria chegou a Martins durante o andamento do inquérito militar aberto para investigar a ligação dos PMs com o PCC.
O crime de homicídio segue em apuração no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), ainda à espera de total resolução. A missão da Polícia Civil agora é identificar o segundo atirador, investigar a possível relação de um outro PM com o crime e apontar quem seria o mandante – ou mandantes, haja vista que, como disse a diretora do DHPP, Ivalda Aleixo, pode ter havido a formação de “um consórcio”.
Apesar de tantas perguntas sem respostas, a Corregedoria da PM empreendeu um ágil trabalho de depuração da tropa nos últimos dois meses. Mas, nesse mesmo período, vale lembrar, casos de excessos envolvendo agentes, além da crescente letalidade policial, constrangeram a corporação e o atual governo.
E, diante do evidente êxito da Corregedoria, o governador Tarcísio de Freitas comemorou as prisões. De acordo com ele, em uma publicação em redes sociais, “as polícias de São Paulo têm compromisso inegociável com a ética e legalidade” e, por isso, “desvios de conduta serão severamente punidos e submetidos ao rigor da lei”.
Guilherme Derrite, ex-integrante da Rota e atual secretário da Segurança Pública, chegou a suspender as férias para anunciar o resultado da operação, decerto para ganhar os louros e atenuar seu desempenho controverso como gestor linha-dura. À frente da pasta, ele acumula manchas na reputação da PM.
Todos os “desvios de conduta” revelados até aqui têm se mostrado crimes gravíssimos. Logo, faz bem Tarcísio em se posicionar de forma firme – apesar de manter Derrite no cargo – contra atos praticados por maus policiais, que, vale ressaltar, certamente não são a maioria da tropa.
Apesar do sucesso das recentes descobertas, a audácia do PCC impõe enormes desafios às autoridades. Isso porque, há tempos, esse bando tenta infestar o poder público. Investigações já apontaram a cooptação de contratos na área de transportes, para lavar dinheiro do tráfico de drogas, e a tentativa de lançar candidaturas próprias em eleições para influir na política.
Como afirmou ao Estadão Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a descoberta do elo de PMs com o PCC se mostra “extremamente preocupante”, por ser “mais um sinal de que a sociedade não acordou para o grau de infiltração do crime organizado”.
Falta, portanto, a tomada de consciência dos riscos dessa infiltração do PCC nas estruturas estatais, e isso tanto por parte da sociedade como das autoridades, que hoje estão sentadas sobre um barril de pólvora. Há quase um quarto de século, na gestão de Geraldo Alckmin, o governo paulista chegou a cantar vitória sobre o PCC. Desde então, coleciona derrotas, enquanto o PCC cresceu, multiplicou-se e hoje é um empreendimento internacional, capaz de cooptar qualquer parte do Estado.(*Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de SP)