• 2023

    7151 Jornal A Bigorna 01/01/2023 14:00:00

    Crônica

    Visitei-me à queda da última folha do ano. Abri portas, janelas e comportas: tenho estado no mato sem cachorro e GPS.

    Sou de esquinas; desse andar por aí sem lenço, sem documento e sem paciência para dedos de prosa sobre o que rola no mundo da bola e da bossa.

    Deixei de tricotar, de esperar navios em portos vazios. Não vasculho desvãos, nem me interesso pelos modismos, menos ainda pelo conservadorismo com pegadas no reacionarismo. Cada qual que faça do seu ismo o quintal dos seus interesses.

    Na verdade, interesso-me pelo mundo das abelhas e das ovelhas; das fraturas expostas pelas mazelas sociais, pelo discurso das nuvens e oratória dos ventos.

    Não me perguntem, que não me sei. Sei que há dobras nas montanhas de Minas, nas curvas das meninas do Rio, nas ondas que se deixam e se recolhem, no sopro da vida nos olhos das crianças ou na parcimônia de uma sonda invadindo uma veia envelhecida.

    Todo o sólido se desmancha, pela oxidação ou pelo descuido. Tudo se renova, se modifica, se transforma. E se desfaz.

    E se desfaz...

    E se refaz!

    Somos e estamos sós na imensidão do cosmos. Um barranco que se desgruda e sufoca uma cidade na Bahia ou a terra em transe que assim, num zás, manda tudo para os ares. Como uma pena, uma pluma. Um nada!

    Se são desígnios, se somos pelo acaso...

    De repente um revólver na esquina, uma bala sem rumo, um carro desgovernado. Um vírus desconhecido que vem. E mata! Um governo que desgoverna com os pés atolados no barro da ignorância e da mediocridade.

    Se são desígnios, se somos pelo acaso, há que se cuidar de momentos, que todos sejam infinitos; cada dia com a sua eternidade.

    Visitei-me... Abri portas e me permiti. Não sei se gostei do que vi ou desgostei. Sei que ovelhas pastam solenes em algum campo ao comando silencioso de um cajado.

    Quisera um cajado, que o controle remoto destes tempos me queima as mãos e me tira a fantasia de observar a ondulação dos trigais ao sabor dos ventos.

    Um 2023 de reconstrução para todos. Inclusive e principalmente para nós, os das dores à flor da pele, os que entendemos a vida na dimensão do próximo, que tudo o mais um dia desfalece...

    Não sejamos lobo de ovelhas alheias.

    *Por José Carlos Santos Peres

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