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    Contos do Zé #5 - No meu tempo, as coisas eram muito melhores do que hoje

    1352 Jornal A Bigorna 28/01/2020 23:20:00

    Palanque do Zé

    João Martinez era um cara nascido no ano de 1952, e não tinha nenhuma grande experiência de vida muito especial para contar. Era um cara magro, de olhos azuis intensos que contrastavam com suas rugas e pele morena. Seus cabelos eram brancos e cortado ao estilo tradicional.

    João havia se casado aos 20 anos, e desde então trabalha para “manter as coisas em ordem”, como gosta de dizer para sua esposa Efilásia. Primeiro vieram as filhas Pâmela, Cristina e Ana. Quando achou que poderia pegar mais leve no trabalho, a primogênita decidiu se casar. As outras duas não tardariam a seguir o mesmo destino, mas isso não o aborrecia, pois todas se casaram com bons caras.

    Um deles, inclusive, se chamava Carlos Negromonte e trabalhava com ele nas empreitadas que pegava.

    João era um ótimo pedreiro, além de ser um cara honesto. Por isso, nunca lhe faltava serviço. Pelo contrário, muitas vezes teve que dispensar uma coisa ou outra, por não conseguir dar conta de tudo.

    Quando achou que poderia se aposentar, vieram os netos. Eram 5 até agora, sendo que apenas sua filha do meio, Cristina, estava “lhe devendo um segundo filho”, sempre dizia com um sorriso no rosto.

    Ultimamente, Seu João, como era conhecido pela maioria das pessoas, se desdobrava para - junto com seu cunhado Carlos - entregar uma pequena galeria de lojas no centro de Vila Verde para que o proprietário pudesse alugar tudo a tempo de aproveitar as compras de Natal.

    Enquanto Carlos dava os últimos retoques na pintura, João fixava placas de “Proibido Fumar” por todo o lugar, somente parando o serviço para acender seus cigarros, os quais consumia sem parar.

    Sua família achava que ele fumava dois maços por dia, mas na verdade já estava indo para o terceiro. Quando perguntavam se ele não iria parar com aquilo antes que morresse, sempre respondia que no alto de seus quase 69 anos, mudar qualquer hábito, por pior que fosse, só lhe traria sofrimentos desnecessários.

    - Porque você está rindo como uma égua velha, Carlos?

    - Por nada, Seu João!

    - Não minta pra mim, seu desgraçado. Sou capaz de sentir o cheiro da mentira quando presencio uma!

    - É que o senhor está fumando como uma chaminé enquanto coloca placas de “Proibido Fumar”...

    - Nossa, e isso o faz rir como uma puta velha? Imagino como deve relinchar quando ouve uma daquelas boas piadas contadas pelo Ary Toledo!

    - Que Ary Toledo que nada… os piadistas da moda agora são outros!

    - E esse é justamente o problema, Carlos. No meu tempo, as coisas eram muito melhores do que hoje. Você podia andar pelas ruas sossegado, sem temer ser assaltado. As crianças podiam brincar na calçada até tarde da noite sem que algum pervertido estivesse à espreita para atacá-las! Isso sem falar que se alguém ferisse sua honra, você podia simplesmente chamar o desgraçado para a rua e resolver tudo no braço!

    - Sei…

    - Mas isso não era tudo! Se você tivesse a oportunidade de provar as comidas do meu tempo, teria nojo das que somos forçados a comer hoje em dia! Eles diminuíram o açúcar, a gordura e o sal de tudo. Pode ser até mais saudável assim, mas o gosto é bem pior. Veja a Manteiga Aviação, por exemplo, foi perdendo a cor amarelada e ficou quase tão branca quanto uma margarina vagabunda qualquer! Isso sem contar ainda, que eles passam conservantes e agrotóxicos em tudo! Isso ainda vai matar a todos nós de câncer, mais cedo ou mais tarde, escute o que digo.

    - Minha mãe realmente diz que as maçãs de hoje não tem gosto algum e…

    - Ela está certa! A sua geração jamais vai poder comer uma maçã que preste, sabe porque? Porque a última boa maçã que comi, foi no início dos anos 80! Mas isso não é o pior...

    - Então o que pode ser pior do que isso? - disse Carlos em tom zombeteiro.

    - Hoje as nossas crianças estão crescendo todas “sensíveis” demais. Se o coleguinha a chama de qualquer coisa na escola, já dizem que é bullying e tal, aí chamam os pais para um bate-papo lúdico e não sei mais o que. No meu tempo, se minha mãe fosse chamada na escola, a cinta comia em casa, ainda que eu não tivesse culpa de nada. Quando criança, todos tínhamos apelidos depreciativos e ninguém morreu ou ficou doente por isso. No meu grupo de amigos, por exemplo, tinha o Alemão, o Zé Ruela, o Escuridão e o João Mancada. Além de mim, que era chamado de Pau de Vira-Tripas. Todos sobrevivemos e, muito embora nos chateassemos com algumas brincadeiras, seguíamos adiante.

    - Mas todo esse povo aí já não morreu Seu João?

    - Sim, todo mundo morreu. E essa é uma das coisas mais chatas dos tempos atuais. Quase todo mundo que eu gostava, já morreu.

     

    *Por José Renato Fusco. É Advogado, Jornalista e Escritor

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