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    1412 Jornal A Bigorna 19/05/2021 00:00:00

    Palanque do Zé

    A vida é o nosso bem mais precioso. Então fazemos qualquer coisa para mantê-la.

    Os jovens sempre dizem que querem viver até os 100 anos, coisa e tal. Vocês já ouviram essa história antes, então não vou me alongar nisso.

    Mas vou ser realista com vocês, afinal, já não tenho muito tempo, então firulas discursivas não me interessam mais.

    Tenho 88 anos e já vi muito mais do que eu queria. Tinha somente 6 anos quando estourou a Segunda Guerra Mundial. Depois vieram a Guerra Fria, a criação do salário mínimo no Brasil,  a criação do Estado de Israel, a Guerra da Coreia, o suicídio de Getúlio Vargas, a Revolução Cubana, a inauguração de Brasília, a Guerra do Vietnã, a Crise dos Misseis de Cuba, o Regime Militar  no Brasil, a morte de Churchill, a chegada do homem à Lua, a queda do Muro de Berlim, o protesto da Praça da Paz Celestial, o fim da União Soviética, o  11 de Setembro, a Guerra do Iraque, a Primavera Árabe, a Execução de Bin Laden, o Jubileu de Diamante da Rainha Elizabeth II e agora, essa coisa de COVID-19.

    Teve bastante coisa. Isso porquê só falei dos principais acontecimentos. Como você pode ver, a maior parte foi desgraça, guerra e fome.

    Mas viver por muito tempo não é desagradável por isso. O grande problema é que todos os seus amigos e familiares morrem antes de você. E isso vai tornando a vida cinza, sabe?

    O pessoal do Truco?Todos mortos ou com Alzheimer, que é a mesma coisa que morrer, só que sem a parte do velório, porque você continua vagando por aí enquanto diz coisas desconexas e não se lembra de ninguém.

    Os caras do trabalho também já estão enterrados faz tempo, assim como meus irmãos e primos.

    Até o meu único filho já se foi num trágico acidente de carro. Foi isso, aliás, que desgostou tanto minha esposa, que morreu três anos depois. A depressão consumiu sua alma.

    Já perdi tantos cachorros, gatos e peixinhos de estimação para a morte, que desisti dos pets faz uns 18 anos.

    A única coisa viva que sobrou na minha casa além de mim, é a grama do jardim, o que constitui verdadeiro milagre, tendo em vista que eu o tenho negligenciado sistematicamente nos últimos três ou quatro anos. Ela está toda amarelada, mas segue viva, assim como eu.

    Se você me perguntar quem fui, diria que era uma criança feliz, depois um adolescente comum que, posteriormente, se tornou um mecânico de aviões e pai de família.

    Mas hoje, tudo isso é passado. Essa descrição não é mais correta.

    Hoje sou Roberto, o cara que acorda todo dia de manhã para sentar-se na varanda, com o intuito de fumar mais charutos do que Churchill conseguiria num único dia, até ver o sol se esconder no horizonte novamente, com a genuína esperança de que aquela seja a última vez.

    Não, definitivamente viver por muito tempo não é um bom negócio. Um excelente negócio, por outro lado, é viver plenamente ao mesmo tempo que os seus.

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